“Uma síndrome resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. Caracteriza-se por três dimensões: 1) sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; 2) aumento da distância mental do trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo em relação ao trabalho; e 3) uma sensação de ineficácia e falta de realização. Ressalta-se que o burnout refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida.”
Cabe observar a base da pesquisa, em diversos estudos realizados na Ásia e América do Norte, a pandemia de Covid-19 fez com que os níveis de Síndrome de Burnout em trabalhadores da área da saúde chegassem a altos índices, que variam entre 29 e 52% do total de pesquisados. (TAN
et al., 2020; NISHIMURA
et al., 2021; DILLON
et al., 2022; CYR
et al., 2021; TORRENTE
et al. 2021).
Destacam-se profissionais de saúde do sexo feminino, que apresentaram índices mais altos de Síndrome de Burnout se comparados com profissionais do sexo masculino. Isto ocorre principalmente devido ao acúmulo de funções, visto que mulheres exercem papel materno e funções domésticas (JANG
et al., 2021; DILLON
et al., 2022; MATSUO
et al., 2021; CYR
et al., 2021; LIN
et al., 2021)
Os mais afetados foram profissionais com menos tempo de experiência e aqueles com idades abaixo de 50 anos apresentaram maiores chances de desenvolver Síndrome de Burnout. Em contrapartida, profissionais mais velhos, casados e com filhos apresentam menores chances (DILLON
et al., 2022; MATSUO
et al., 2021; GRAMAGLIA
et al., 2021; LIN
et al., 2021; JALILI
et al., 2021)
Em estudos recentes, pode-se observar que profissionais com maiores titulações, como médicos e enfermeiros, apresentaram maiores índices de Síndrome de Burnout se comparado aos de menores titulações, como técnicos, isso porque apresentam funções de maior destaque em suas instituições de trabalho. O destaque vai para enfermeiros que possuíam maiores índices de desenvolvimento da síndrome se comparados aos médicos. Em geral, profissionais com mais de 8 horas de trabalhos diários estão associados com maior risco para desenvolvimento de Burnout, bem como trabalhadores de UTI (NISHIMURA
et al., 2021; CYR
et al., 2021; STOCCHETTI
et al., 2021; JANG
et al., 2021; TAN
et al., 2020; CHOR
et al., 2021).
4. Resultados
Ao todo, foram obtidas 130 respostas (78,3% de adesão total).
4.1 Características Sociodemográficas e Econômicas
A média de idade foi de 36,18 anos (DP = 9,2), sendo 80% do sexo feminino e 80% do sexo masculino.
Dos funcionários que responderam, 86,4% moram acompanhados, enquanto o restante 13,6% moram sozinhos. Destes, 52% são casados ou possuem união estável, 37,6% são solteiros; 6,4% são separados e 3,2% são viúvos. 0,8% preferiram não declarar seu estado civil. Quando perguntados, 32% não possuem filhos, dos que possuem, 48,8% possuem somente um filho, 32,1% possuem dois filhos, 13,1% têm três filhos e 6% possuem quatro ou mais.
Quando observada a renda familiar 4,8% recebiam menos de 1 salário mínimo, 22,4% de 1 a 2 salários mínimos, 24% de 2 a 3 salários, 16% e 3 a 4 salários e 32,8% recebiam 5 salários mínimos ou mais. Deste total, 56% consideram que a renda familiar supre as necessidades mensais, enquanto o restante acredita que a renda não é o suficiente para os gastos.
Ao serem questionados sobre a prática de atividade física, 50,4% afirmaram que não praticam, frente aos 49,6% que praticam de forma regular. As atividades físicas mais relatadas foram aeróbicas, como caminhadas, corridas, pedalada e dança e anaeróbicas, como pilates, musculação, crossfit e artes marciais.
No total, 62,4% realizam alguma atividade para lazer, sendo leitura, escutar música e assistir filmes e séries as mais citadas.
4.2 Ambiente de Trabalho
Os graus de titulação variam, sendo a mais prevalente técnico com 47,2%, seguido de graduação com 24,8%, especialização e/ou residência com 21,6%. Mestrado e doutorado obtiveram 1,6%, enquanto ensino médio completo obteve 4,8%
Das funções exercidas, destaca-se técnicas de enfermagem (38,4%), enfermeiros (18,4%), médicos (8,8%), farmacêutico (3,2%), fisioterapeuta (2,4%), psicólogo (0,8%). Serviços de apoio à saúde compreendem 25,6% da amostra da pesquisa.
Os funcionários trabalham especialmente em Unidades de Tratamento Intensivo (52,8%), enfermaria (14,4%) e pronto atendimento (15,2%), em média perfazendo 40 horas semanais, principalmente no horário diurno (53,6%) e noturno (21,6%). 24,8% trabalham em ambos os turnos.
Quando questionados, 21,6% afirmaram que já sofreram assédio, bullying ou exclusão durante o trabalho, 59,2% se sentem sobrecarregados, 21,6% não possuem flexibilidade de horários ou folgas após jornada excessivas de trabalho, 29,6% sentem que não possuem liberdade criativa dentro do ambiente de trabalho. Do total, 35,2% afirmaram não receberam gratificações, sejam financeiras ou subjetivas (elogios), mesmo que de forma esporádica, durante sua jornada de trabalho.
4.3 Impacto Clínico e Saúde Mental
Se levarmos em consideração o impacto clínico na saúde dos funcionários, 76% responderam que se sentem fatigados pelo menos uma vez por semana. Na mesma proporção, dores no corpo se manifestam para pelo menos 76% dos funcionários, ao menos uma vez na semana, uma minoria de 24% não sente dores.
Quando questionados, 36,8% apresentam sentimentos depressivos, que variam entre tristeza, ansiedade, desânimo e cansaço. O acompanhamento psicológico também foi questionado aos participantes do estudo, no qual responderam em sua maioria (86,4%) que não realizam consultas regulares no psicólogo/terapeuta. Ainda, 9,6% dos funcionários afirmaram que não recebem apoio dos familiares, seja nas esferas emocional e/ou financeira.
4.4 Oldenburg Burnout Inventory
5. Discussão
A revisão da literatura demonstra características de pressão de participação no trabalho da COVID-19 leva a um impacto significativo no psicológico dos trabalhadores da saúde. Entre os motivos mais listados geralmente encontram-se a preocupação com infecção, aumento das cargas de trabalho, exaustão com o atendimento de pacientes devido a sobrecarga de cuidados de saúde, preocupação com a falta de equipamentos de segurança no trabalho, a atribuição de tarefas adicionais de trabalho, a preocupação com demissão e isolamento social (JANG
et al., 2021; NISHIMURA
et al., 2021; DILLON
et al., 2022; MATSUO
et al., 2021; DEBES
et al., 2021).
Entre os fatores de proteção para o desenvolvimento de Síndrome de Burnout estão a educação continuada com informações relacionadas ao COVID-19, disponibilidade de equipamentos de proteção individual, a presença de intervalos, apoio psicológico ocupacional, apoio familiar e sentir-se valorizado através de mensagens de incentivo no local de trabalho (DILLON
et al., 2022; JANG
et al., 2021; MATSUO
et al., 2021; CYR
et al., 2021; MORGANTINI
et al., 2020).
Torna-se fundamental que os trabalhadores da saúde possuam atividades de lazer, como observado no estudo, visto que as mesmas são benéficas para a saúde mental. A utilização de meios tecnológicos para assistir televisão ou vídeos na internet, leitura, realização de atividades físicas são muito recomendados por profissionais para diminuir a carga negativa de estresse. A adoção de hábitos alimentares saudáveis e regularidade no sono também são positivos (CHOR
et al., 2021; MATSUO
et al., 2021)
Esse estudo apresenta algumas limitações. As características do trabalho durante a pandemia de COVID-19 foram medidas com instrumentos de auto relato, a amostra é composta por funcionários brasileiros e as respostas não devem ser generalizadas para outros países. Por fim, o estudo foi transversal e resultou em conclusões causais, sendo necessária a realização de estudos longitudinais para acompanhar os efeitos em longo prazo. Analisa-se na pesquisa que existem vários fatores associados ao desenvolvimento da síndrome de burnout em profissionais de saúde durante a pandemia de Covid-19, fatores relacionados com o próprio profissional, o ambiente de trabalho e o convívio social. Percebe-se que a denominada ‘Linha de frente no combate à pandemia’, demonstrou que esses trabalhadores sofriam de medo de infecção e morte e atualmente observamos possiblidade de Transtorno pós traumático, ansiedade e depressão. Profissionais de saúde envolvidos no cuidado a pacientes com Covid-19, a exemplo da categoria de enfermagem, também apresentaram níveis elevados de estresse e burnout quando comparados a enfermeiros que atuam na assistência a outros pacientes não acometidos pela doenças. No entanto, quanto maior a autoeficácia e a disposição para o trabalho na linha de frente de outros setores, maiores são os níveis de burnout e até hoje de quadro de algum sofrimento mental. A discussão do levantamento de dados ainda está sendo processada pela equipe de pesquisa para explorar mais dados.
6. Conclusão
A pandemia do Covid-19 atingiu o mundo de diferentes maneiras e pressionou sistemas de saúde pública, provocando desgastes profundos no psicológico e físico de profissionais de saúde, como comprovado pelo presente estudo. A sociedade deve estar preparada para enfrentar os desafios pós-pandemia e deve ampliar cada vez mais o diálogo sobre saúde mental. Os dados coletados estão à disposição das instituições e permitirão a elaboração de estratégias e medidas de combate e prevenção personalizadas e mais eficazes.
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1 Biomedicina (UNICRUZ), Mestre em Atenção em Integral à Saúde (UNICRUZ), Doutoranda em Farmacologia (UFSM), docente na Universidade de Ijuí (UNIJUI), Coordenadora de pesquisa no Instituto Cruzaltense de Cardiologia.
2 Formação Psicanalítica, Mestre em Educação UNINORTE (PY), Mestranda em Psicologia IMED, Esp. Neuropsicologia, Especialista em Psicologia Forense e Jurídica Unylea, Especialista em Saúde Mental Faculdade Dom Bosco, Especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho Faculdade Dom Bosco, MBA Gestão Empresarial FGV, MBA COACHING FESPSP, Professora MBA”s Univates-Lajeado entre outros.
3 Graduando em Psicologia (UNIJUI), Bolsista Cnpq-Projeto de pesquisa sobre transmissão na Psicanálise.
4 Graduação em Psicologia (URI-Santiago-RS), Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental (WP-Cognitivo), Especialista em Gestão de Pessoas e Recursos Humanos (Faculdade Dom Alberto), Psicóloga Clínica-PENSÉE, Coordenadora Institucional da Psicologia (PENSÉE).
5 Graduado em Biomedicina (UNICRUZ), Habilitação em Análises clinicas, Biologia Molecular e Citologia Oncótica, pesquisador do HSVP.
6 Graduação em Psicologia (IMED), Mestrando de Psicologia (IMED), bolsista cnpq-, monitor de psicologia (IMED).
7 Cardiologista (SBC), Intensivista (AMIB), Coordenador da unidade de COVID-19 do HSVP, Doutorado (USP), Pós doutorando (FIOCRUZ), Docente pesquisador do curso de Medicina da UNIJUI. Diretor do Instituto de Cardiologia-(ICCA).
8 Graduação em Medicina (UFPEL-RS), Residente clínica Médica HSVP-Cruz Alta- Medicina-UNIJUI (2021-2022), Mestranda do Programa de pós graduação em Princípios da cirurgia da FEMPAR (2022), Formação e estagiária em Psiquiatria supervisionada no Hospital Espirita de Pelotas (2014-2015), Bolsista PET-Saúde (2013-2014).