1 Introdução
O envelhecimento biológico tem sido uma preocupação constante da humanidade, principalmente no que diz respeito aos declínios e incapacidades associados a ideia de envelhecer (FREITAS et al., 2011). No mundo contemporâneo, o envelhecimento se mantém em pauta no cenário mundial devido ao aumento da expectativa de vida, em consequência da elevação da taxa de fecundidade nos anos 1950 e 1960, a queda da taxa de mortalidade em todas as idades desde 1950 e a redução da taxa de natalidade (CAMARANO et al., 2011; VENTURI; BOKANY, 2007).
Segundo Bulla e Mediondo (2010), o aumento da expectativa de vida e o aumento da população de idosos decorre dos avanços e melhorias nas ciências da saúde, no campo científico e tecnológico, da adoção de estilos de vida mais saudáveis, práticas preventivas e de promoção da saúde, controle de doenças infecto parasitárias e melhores condições de higiene, como o saneamento básico.
Kanso (2014) afirma que estas mudanças ocorreram de forma relativamente rápida no Brasil, resultando no “aumento significativo na esperança de vida ao nascer e aos 60 anos de idade. Em trinta anos, de 1980 a 2010, este último indicador passou de aproximadamente quinze anos para 21 anos”.
O relatório de estatísticas mundiais de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019) alerta para a diferença da expectativa de vida comparada com a expectativa de vida saudável ao nascer. Enquanto um brasileiro nascido em 2016 tinha a expectativa de vida de 75,1 anos em média (Masc. 71,4; Fem. 78,9), sua expectativa de viver saudável era de 66 anos (Masc. 63,4; Fem. 68,7). Ou seja, estima-se que 50% da população brasileira com mais de 66 anos de idade já seja portador de pelo menos uma doença crônica não-transmissível (DCNT) dados que podem indicar a necessidade de uso de fármacos, acompanhamento terapêutico e queda na qualidade dos últimos anos vividos.
Conforme Netto (2016), o envelhecimento é um fenômeno interdisciplinar que abrange múltiplos aspectos, como o psicológico, o social e o biológico. Quanto ao envelhecimento biológico, sabe-se que fatores intrínsecos (genético) do indivíduo interagem com fatores socioambientais, e estes em conjunto impactam na aceleração ou desaceleração das disfunções associadas a idade. Um dos fatores que interferem na qualidade do envelhecimento é a exposição a fatores estressantes, incluindo aqui os relacionados a atividade ocupacional. Nahas (2013) afirma que “as frequentes liberações dos chamados hormônios do estresse (adrenalina, noradrenalina e cortisol) podem levar à diminuição da imunidade, alterações no apetite e o acúmulo de gordura na região abdominal, com sérias consequências à saúde”.
Conceitualmente o estresse fisiológico é um fenômeno transiente adaptativo identificado nos seres humanos e que é desencadeado como uma resposta a uma ameaça real ou antecipada de bem-estar ou interrupção da homeostase do organismo. Deste modo, a reação fisiológica ao estresse é desencadeada em situações de perigo e é considerada altamente adaptativa e fundamental para a sobrevivência (MCEWEN et al., 2015). Pode-se dizer, portanto, que o estresse fisiológico acompanha toda atividade humana, seja ela física, intelectual, emocional ou social.
A esse respeito, Cabral (2004) diz que,
o estresse deve ser entendido como um conjunto de respostas ou reações fisiológicas, mentais, emocionais e comportamentais do indivíduo, desencadeado por um determinado estressor, sendo este qualquer estímulo ligado às mais diversas situações da vida, como, por exemplo: condições sócio familiar, econômico-financeira, de trabalho, alimentação, transporte, habitação, bem como a relação do indivíduo com seus próprios sentimentos.
A identificação do estresse como um fator que poderia afetar de modo negativo a saúde humana foi impulsionada pelo estudo publicado em 1956 por Seyle, denominado: “The Stress of Life”, baseado em experimentos que realizou in vivo. Este trabalho expos pela primeira vez o conceito de “Síndrome Geral de Adaptação” (SGA). A relevância da SGA está na ideia de que quando ocorre exposição continuada (crônica) ao estresse, esta condição pode acelerar o aparecimento de disfunções associadas ao envelhecimento e também aumentar o risco de DCNT (FONKEN et al., 2018; GODOY et al., 2018; McEWEN; MORRISON, 2013; PEDERSEN et al., 2001; STERNBERG; GOLD, 2003).
Um dos maiores causadores de estresse continuado pode ser o trabalho que interfere nas condições de vida e saúde dos indivíduos, possuindo efeito negativo e progressivo em sua saúde física e mental. Quando se fala em saúde ocupacional, diretamente se reflete sobre o papel do estresse no ambiente ocupacional. O desequilíbrio na saúde do profissional traz consequências negativas como diminuição da produtividade e da qualidade do trabalho executado, há aumento do absenteísmo e do afastamento do trabalhador de sua ocupação, o que implica na reposição de funcionários, acarretando outros transtornos como o gasto de tempo e dinheiro. Araújo (2001) relata que “as relações entre estresse ocupacional e a saúde mental do trabalhador apontam para índices de incapacidade temporária ao trabalho, aposentadoria precoce e riscos à saúde decorrentes dessa relação”.
Referente ao exposto, uma das atividades laborais que por suas características gerais estão associadas a processos de estresse psicológico e físico crônico é a dos trabalhadores da segurança pública, que em 2015 no Brasil, somavam mais de 550.000 agentes segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (ABSP, 2016). Em específico, o trabalho do Agente da Polícia Rodoviário Federal (APRF) é permeado por uma série de estímulos intrínsecos à atividade policial e que sujeitam estes trabalhadores a condições laborais diferenciadas. Além disso, países como Estados Unidos da América (EUA), Chile e Colômbia (FGV, 2017), assim como as polícias militares no Brasil, têm parâmetros específicos no que diz respeito a idade de ingresso e permanência na função policial, por outro lado, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) segue o mesmo regramento legal das carreiras não policiais do poder executivo da União. Entretanto, ainda não existem estudos consistentes sobre o impacto desta profissão e do perfil etário dos seus trabalhadores em indicadores de saúde laboral. É possível que o avançar da idade tenha um impacto bastante crítico nestes servidores, uma vez que estão continuamente expostos a diversos tipos de estresse crônico, incluindo risco de vida e alterações no padrão sono-vigília devido ao sistema de plantões que a profissão admite.
1.1 Objetivos
1.1.1 Objetivo Geral
Avaliar o impacto da idade do APRF no perfil e evolução dos afastamentos para Licença de Saúde (LS) entre o período de 2014 a 2018, em interação com outros fatores intervenientes.
1.1.2 Objetivos Específicos
Em servidores da segurança pública que ocupam o cargo de APRF e estavam na ativa no período de 2014 a 2018:
a) Comparar o perfil demográfico e funcional de homens e mulheres;
b) Avaliar em homens e mulheres a evolução e frequência de afastamentos para LS;
c) Analisar em homens e mulheres a associação da idade com a frequência e o tempo (dias) de afastamento para LS;
d) Analisar em homens e mulheres potenciais variáveis intervenientes na associação entre idade e afastamento para LS, como idade do servidor no momento de ingresso na carreira, tempo de serviço na instituição, região de lotação no Brasil e classe funcional.
2 Revisão de Literatura
2.1 Envelhecimento Populacional e Biológico
Na esteira da transição demográfica em curso no Brasil, o envelhecimento da população se tornou um dos assuntos de maior repercussão na área da seguridade social evidenciado principalmente pelos debates sobre a reforma da previdência intensificados a partir de 2016.
Segundo o Governo Federal (BRASIL, 2019)
A população idosa tem crescido rapidamente. O sistema, com as regras atuais, caminha para a insustentabilidade. No ano 2000, a proporção era de 11,5 pessoas em idade ativa (de 15 a 64 anos) para cada idoso (de 65 anos ou mais) no País. Em 2020, essa proporção deverá cair para 7 e, em 2060, para 2,35.
Estima-se que em 2060, 25,5% da população brasileira terá 65 anos ou mais, elevando a razão de dependência dos atuais 44% para 67,2% em um intervalo de 42 anos (IBGE, 2018). No estudo conduzido por Camarano e Kanso (2016), estes autores estimaram que o único grupo populacional que deverá crescer a partir de 2030 no Brasil, será aquele com > 45 anos de idade. O estudo também destacou que, se por um lado está aumentando a preocupação dos governantes com a sustentabilidade do sistema previdenciário, por outro, o mercado de trabalho também sofrerá o impacto da mudança no perfil etário dos trabalhadores. Portanto, apesar do envelhecimento populacional ser um dos maiores triunfos da humanidade, também se apresenta como um grande desafio a ser enfrentado pela sociedade (OMS, 2005).
Segundo Miranda, Mendes e Silva (2016) o estudo do processo de envelhecimento populacional e o seu uso no planejamento das políticas públicas parece estar cada vez mais presente. No entanto, há cenários que ainda demandam uma investigação científica e carecem de uma intervenção preventiva para a mitigação de risco da perda de saúde, o envelhecimento patológico e o estresse ocupacional.
Para falar sobre este tema é preciso fazer algumas considerações relacionadas com a dinâmica do envelhecimento biológico e seus impactos funcionais e na produção laboral. O envelhecimento pode ser considerado um processo não linear do curso de vida. Os danos moleculares e celulares acumulados levam a uma perda gradativa das reservas fisiológicas, culminando em maior risco de contração de doenças e um declínio na capacidade intrínseca dos indivíduos (OMS, 2015).
Para Cunha e Jeckel-Neto (2011):
O termo envelhecimento é frequentemente empregado para descrever as mudanças morfofuncionais ao longo da vida, que ocorrem após a maturação sexual e que, progressivamente, comprometem a capacidade de resposta dos indivíduos ao estresse ambiental e a manutenção da homeostasia. Porém, vários pesquisadores definem envelhecimento como ‘o que acontece com um organismo com o passar do tempo’.
Para uma melhor definição, Cunha e Jeckel-Neto (2011) destacam que existe um modelo previamente estabelecido por pesquisadores em biogerontologia a fim de se reconhecer que mudanças são decorrentes do processo de envelhecimento biológico per se. Estas devem ser; a) deletérias, portanto reduzem a funcionalidade; b) progressivas – se estabelecem gradualmente; c) intrínsecas, ou seja, mesmo que o ambiente tenha grande influência no surgimento e na velocidade de possíveis mudanças, as mesmas não devem ser apenas o resultado de um ambiente modificável e; d) universais, isto é, com o avanço da idade todos os indivíduos de uma dada espécie devem expressar tais mudanças.
Apesar destas características, a intensidade do declínio geronto-funcional tem sido associada ao estilo de vida adotado, fundamentalmente a partir dos primeiros anos da idade adulta. Comportamentos como tabagismo, alcoolismo, dieta e nível de atividade física, entre outros fatores externos e ambientais determinarão o nível de capacidade funcional, podendo resultar em um padrão de deficiência prematura. Nesse sentido, ao longo do envelhecimento pode ocorrer aceleração ou desaceleração dessa capacidade através de intervenções individuais e/ou de políticas públicas. (CRUZ, 2014; OMS, 2005).
O envelhecimento trata-se, portanto, de um processo de curso de vida, amplamente modulado pelas interações indivíduo-ambiente. Reduzir o declínio funcional e os fatores de risco de DCNT é determinante para a qualidade de vida, “uma vez que o estilo de vida e comportamentos desenvolvidos pelo indivíduo durante a existência influenciam a constituição da velhice” (CAVALCANTI et al., 2016).
2.2 Declinios Fisiológicos Decorrentes do Processo do Envelhecimento e Fator Etário em Atividades Laborais
As evidências obtidas a partir de estudos de genealogia familiar e de gêmeos monozigóticos e dizigóticos sugerem que a herança genética contribui com não mais que 25-30% do tempo de vida no homem (CRUZ, 2014). Neste sentido, ganha importância a qualidade da interação entre a genética do indivíduo e o ambiente nas mudanças intrínsecas, se apresentando como uma dimensão de pesquisa que busca compreender também os determinantes sociais de saúde na qualidade do envelhecimento. Admite-se, portanto, “como variáveis ambientais o entorno sócio econômico-cultural onde um dado indivíduo ou uma dada população vivem” (CRUZ, 2014; CRUZ; SCHWANKE, 2001).
Embora haja uma grande quantidade de teorias do envelhecimento nenhuma explica tudo ou pode ser descartada. Porém todas concordam que “existem elementos intrínsecos e extrínsecos que desencadeiam o processo de envelhecimento, sejam estes condicionados geneticamente ou ambientalmente, ou através da interação dos mesmos” (CRUZ, 2014; CRUZ; SCHWANKE, 2001).
A este respeito, Fechini e Trompieri (2012) comentaram que as variações do envelhecimento biológico são decorrentes de fatores como condições socioeconômicas, estilo de vida e doenças crônicas, sendo que neste processo ocorre uma série de modificações funcionais e de resposta fisiológica. Além disto, estas modificações geralmente são acompanhadas por perdas, percebidas ou não, na capacidade de manutenção do equilíbrio homeostático. Espera-se, portanto, uma diferença negativa na resposta de indivíduos sujeitos a condições de sobrecarga, quando comparados àqueles em condições basais.
Segundo Padula et al. (2013), o declínio na capacidade funcional ocorre aproximadamente após os 45 anos e pode comprometer, tanto a produtividade, quanto a capacidade laboral. O autor ainda afirma que os trabalhadores mais velhos têm indicadores de saúde piores, como em composição corporal e auto avaliação de saúde, relacionados a maiores índices de mortalidade futura.
Libarino e Reis (2017) destacaram que,
As condições biológicas na velhice não podem ser comparadas com as de um indivíduo jovem. As capacidades física e intelectual no idoso vão sofrendo regressões que, na maioria das vezes, o impede de continuar em sua profissão. Em alguns casos, ele se aposenta definitivamente, outros mudam de função [...].
Neste contexto, dois estudos recentes mostraram diferença em indicadores de saúde em APRF quando observados a idade e o tempo de serviço, podendo indicar a influência das condições intrínsecas dessa profissão com os declínios encontrados.
Marins e Del Vecchio (2017) em um estudo transversal com APRF de Pelotas/RS, participantes de um projeto de saúde da PRF observaram,
Condições morfológicas e físicas inadequadas, assim como níveis de força e flexibilidade inferiores aos recomendados para essa população. Nesta amostra, a idade mais avançada e maior tempo de serviço na Polícia Rodoviária Federal estiveram associados a parâmetros morfológicos de alto risco para doenças cardiovasculares. Observou-se, também, que os PRF possuíam alto risco de lesões musculoesqueléticas e afastavam-se do trabalho principalmente por queixas osteomusculares nas regiões lombar e dos joelhos.
Outro estudo com dados de 6212 APRF de todo Brasil, participantes do teste de aptidão física da PRF, Marins, Ferreira e Del Vacchio (2018) observou “diferenças estatísticas nos valores de todos os componentes da aptidão física em APRF segundo a idade, com melhores escores para as categorias mais jovens em comparação às faixas etárias mais avançadas”.
Esse contexto coaduna com a súmula 683 do Superior Tribunal Federal (STF, 2016), que reconheceu a legalidade no estabelecimento do limite de idade quando a natureza das atribuições do cargo assim exigir. Essa particularidade parece ter repercussão a médio e longo prazo na eficiência da organização, uma vez que o envelhecimento fisiológico repercute na capacidade de trabalho do servidor policial e pode gerar maior probabilidade de afastamento desse profissional (FGV, 2017).
Para ingressar no cargo de APRF não há um critério etário específico, pode-se ter entre 18 anos completos e menos de 75 anos1 (BRASIL, 1985, 1988, 2015, 2018), sendo os mesmos parâmetros de idade das demais carreiras da União. Diferente das polícias militares2 dos Estados, que estabelecem limite na faixa dos 30 anos3 para os novos concursados. Entre os anos de 2000 e 2016 ingressaram no cargo de APRF servidores entre 18 e 64 anos (FGV, 2017). Porém, no que se refere à aposentadoria4, o tempo total de contribuição dos homens deve ser 30 anos e das mulheres 25, sendo pelo menos 20 e 15 anos, respectivamente, de efetivo trabalho na carreira policial, independentemente da idade5 (BRASIL, 2014).
Por exemplo, para ingressar na carreira policial no Chile, deve-se ter entre 18 a 23 anos de idade, sendo permitido que permaneça até o limite de 55 anos e com no mínimo 20 anos de serviço para aposentadoria. Nos EUA6 pode variar de 20 a 35 anos de serviço e aposentadoria por volta dos 50 anos de idade. Ainda, na Colômbia, um policial pode se aposentar a partir de 18 anos de carreira e permanecer até no máximo 24 anos de serviço (FGV, 2017).
Há, portanto, questões intrínsecas de risco da atividade policial que justificam limitar a idade de ingresso, bem como os critérios e requisitos médicos, físicos e psicológicos atualmente exigidos para ingresso na função. Tais exigências, porém, não se repetem ao longo da carreira do APRF, desconsiderando alterações e declínios que ocorrem com o passar dos anos, bem como eventos geradores de estresse que são frequentes na atuação destes servidores e que podem afetar sua expectativa de vida (FGV, 2017).
2.3 Papel do Estresse Ocupacional na Saúde
O estresse é um processo no qual ocorrem respostas fisiológicas aos estímulos (estressores) ambientais. Há duas respostas fisiológicas relevantes: primeiro, ocorre intensa ativação do sistema nervoso autônomo simpático, com liberação de adrenalina e noradrenalina, neurotransmissores responsáveis pelo controle das respostas vegetativas de alerta e vigília do organismo, com consequente aumento da pressão arterial, frequência respiratória e cardíaca, como também aumento do cortisol no organismo (STALDER et al., 2016).
Com base na SGA previamente comentada, pesquisadores conseguiram reconhecer a existência de diversas situações que são conhecidas como “Eventos de Vida Produtores de Estresse” (EVPE), que geram estresse crônico, sendo altamente prevalentes nas pessoas idosas. Em pessoas idosas com idade > 60 anos, os EVPE incluem a ocorrência de doenças graves, hospitalização, dificuldades financeiras, mudança forçada de moradia, luto, exposição a agressão física e emocional continuada, vivência de roubo ou assalto, e também ser cuidador de pessoa com morbidades e disfunções crônicas que demandam alta carga de atenção, como é o caso dos pacientes demenciados. Já situações de estresse mais comuns em indivíduos adultos jovens seriam a ruptura de relacionamentos amorosos e problemas de assédio moral no trabalho (GODOY et al., 2018; LOPES; FAERSTEIN; CHOR, 2003).
É importante destacar que uma grande quantidade de estudos envolvendo os EVPE foram conduzidos ao longo da década de 1970. Entretanto, foi somente na década de 80 que Lazarus e Folkman realizaram investigações que contribuíram significativamente para entender o processo do estresse crônico e seus efeitos negativos no envelhecimento e desenvolvimento de DCNT.
Ainda que o trabalho responda “às necessidades de sua vida intelectual, cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva” (FRIGOTTO, 2010), muitas vezes pode ocorrer o estabelecimento de situações de estresse ocupacional, conceitualmente caracterizado pela FGV7 (2017) como o que:
Ocorre quando as exigências e características do trabalho não se ajustam às expectativas, necessidades ou capacidades do trabalhador. É um ajuste deficiente entre a pessoa e o ambiente, objetiva ou subjetivamente, no trabalho ou em outros locais. Ocorre quando as exigências do ambiente não são correspondidas pelas capacidades do indivíduo. Também decorre do oposto, isto é, quando as demandas do ambiente não estão à altura das necessidades e capacidades/expectativas do indivíduo.
Andrade e Guimarães (2017) estimaram que os altos índices de violência e as demandas do próprio trabalho, acabam expondo o policial ao “estresse ocupacional que é gerador de sofrimento psicológico e físico, que pode evoluir de um simples desconforto físico, até a morte”.
Margis et al. (2003) também destacaram que a interação entre as características pessoais e as demandas do ambiente são elementos determinantes na resposta ao estresse. A sobreposição dos níveis fisiológicos, cognitivo e comportamental é eficaz até certo ponto. Uma vez que seja ultrapassado, se desencadeia um efeito desorganizador. Os autores ainda salientam que:
As diferentes situações estressoras ocorrem ao longo dos anos, e as respostas a elas variam entre os indivíduos na sua forma de apresentação, podendo ocorrer manifestações psicopatológicas diversas como sintomas inespecíficos de depressão ou ansiedade, ou transtornos psiquiátricos definidos, como por exemplo o Transtorno de Estresse Pós-traumático.
É possível então, que haja estreita associação entre a característica dos estímulos estressores intrínsecos à atividade policial e o tempo de exposição ou quantidade de ocorrências vivenciadas pelo servidor, dimensionada pelo tempo de serviço policial. Ou seja, o estresse pode provocar danos severos com alterações agudas e crônicas ao organismo quando submetido a períodos longos e contínuos de tensão, principalmente quando o corpo não dispõe do tempo adequado para descansar ou recuperar-se. Destaca-se que estas dimensões podem ser atenuadas ou agravadas através dos aspectos organizacionais (Figura 1), como a quantidade de efetivo, gestão de saúde e previdência (FGV, 2017).
Seja pelo risco intrínseco das atribuições ou pelas características da organização do trabalho, a profissão policial caracteriza-se como uma das profissões mais estressantes, como evidencia o ranking das profissões mais perigosas do mundo em 2017 nos EUA. Entre 2013 e 2017, bombeiros e policiais foram as profissionais que mais aumentaram a pontuação em estresse, sendo primeiro e terceiro lugar, respectivamente, tendo entre eles a profissão de piloto de avião privado (FGV, 2017).
No estudo intitulado ‘custos de bem-estar do crime no Brasil’ divulgado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Caprirolo, Jaitman e Mello (2017), conferem a dimensão do contexto de atuação dos policiais brasileiros quando observados os crimes de maior violência, uma vez que a inclusão dos homicídios ocorridos no país eleva em 1,22 vezes e 3,51 vezes, respectivamente, na América Latina e Caribe (ALC) e Cone Sul,.
O Estudo Global Sobre Homicídio mostrou que estes números continuam crescendo no Brasil, chegando a 30,64 casos para cada 100 mil habitantes em 2017, colocando o país em segundo lugar na América do Sul, ocupando posição de destaque mundial junto com Nigéria, uma vez que os dois países juntos correspondem a 28% dos homicídios no mundo, mesmo que suas populações representem 4% da população mundial (ONU, 2019, tradução nossa).
O contexto de violência também se manifesta em homicídios de agentes da segurança pública. Segundo o ABSP (2016), entre 2009 e 2015 os policiais brasileiros morreram 113% mais em serviço do que seus colegas americanos. O levantamento afirma ainda que no Brasil os policiais morrem três vezes mais fora de serviço do que no trabalho. Somente em 2016, 453 policiais civis e militares foram vítimas de homicídio no Brasil (ABSP, 2017).
Sobre estresse ocupacional, levantamento feito no ano de 2016 com 6736 policiais8, identificou 94% com nível alto ou médio de estresse, sendo que 39% com estresse alto (FGV, 2017). Outro levantamento feito pelo Programa de Saúde do Servidor (PROSSERV) do Rio Grande do Sul com 515 APRF deste Estado, demonstrou que 45% dos servidores se auto declararam estressados ou muito estressados e, quando perguntados quais as dimensões relacionadas a saúde são mais importantes no ambiente de trabalho, o estresse aparece associado a questões intrínsecas às condições de trabalho do policial, como sono, escala, sobrecarga e outros (BRASIL, 2017).
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2016, tradução nossa), o estresse é fator contribuinte para uma série de problemas de saúde do trabalhador, como perda de memória, úlcera, hipertensão, doenças inflamatórias do intestino, distúrbios osteomusculares e cardiovasculares, além de afetar o sistema imune potencializando o desenvolvimento de neoplasias. Ainda, podem ocorrer uma série de sintomas como os descritos no trabalho realizado por Delboni (1997), cujos principais resultados demonstram que 100% dos trabalhadores apresentaram ansiedade, 89% apresentaram distúrbios do sono, baixa autoestima, cansaço mental e depressão, 79% apresentaram cansaço físico e 75% apresentaram alto grau de irritabilidade e cefaleias frequentes. Este conjunto de desarranjos à saúde, como também outras doenças, morte e invalidez, além de exigir cuidados médicos especializados na maioria dos países industrializados (OIT, 2016, tradução nossa), impactam em custos individuais, institucionais e de estrutura de centros de saúde capacitados.
A OIT (1999) preconiza que um ‘trabalho decente’ deve promover oportunidades de homens e mulheres obter um trabalho produtivo e de qualidade, tendo respeitadas condições como liberdade, equidade, segurança e dignidade humana. Em sua convenção nº 155 sobre saúde e segurança dos trabalhadores, com relação ao trabalho, a OIT (1983) considera que o termo ‘saúde’, “não abrange somente a ausência de afecções ou de doenças, mas também incorpora elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.
O ambiente de trabalho do APRF pode ser caracterizado por um conjunto de estímulos e/ou dimensões intrínsecos à atividade policial e que sujeitam estes trabalhadores a condições laborais diferenciadas, impactando sua saúde e/ou doença, física e/ou mental durante sua carreira. Alguns exemplos são o risco de morte, intervenções em situações de conflito, estresse psicológico agudo e crônico, súbito esforço físico, acidentes de trânsito, altos ruídos e vivência cotidiana com situações de violência, de criminalidade e de morte (FGV, 2017).
Além da exposição ao perigo eminente, outras características ocupacionais da PRF contribuem para a geração e cronificação do estresse. Este é o caso da realização de escala de revezamento em turnos, na maioria dos casos representada pela jornada de 24 horas de trabalho ininterruptas. Almondes (2013) se refere a este tipo de revezamento como um processo no qual ocorre um ritmo sincronizador do trabalho, que se manifesta em oposição ao ritmo biológico circadiano, que caracteriza o ser humano como uma espécie diurna.
Sobre a questão do impacto do sono na saúde, Cobra (2011) comentou que o mesmo é o elemento mais importante em qualquer atividade profissional. Diz ainda que o prejuízo orgânico provocado pelo débito de sono continuado é um elemento que contribui para a aceleração do envelhecimento biológico. Sobre este aspecto, Orzeł-Gryglewska (2010) e Nahas (2013) destacaram que a privação do sono é fator de risco para doenças cardiovasculares, hipertensão, obesidade, diabetes, depressão, ansiedade, perda de memória e câncer. Segundo Cobra (2011) o homem é o animal do hábito e acaba se adaptando a uma quantidade insuficiente de sono. No entanto, afirma que isso “vem à custa de hormônios que sobrecarregam a capacidade fisiológica e química do organismo, que, embora se adapte, leva a um quadro de trabalho excessivo e por consequência envelhecimento precoce”.
Outro aspecto que impacta negativamente na saúde de policiais incluindo APRF é a fadiga crônica. Um estudo conduzido por Wirth et al. (2017) foi feito em oficiais norte-americanos participantes de uma pesquisa longitudinal denominada “Buffalo Cardio-Metabolic Occupational Police Stress Study” (Estudo BCOPS). Este projeto prospectivo foi iniciado em 2004 no qual foram incluídos os 710 policiais que trabalhavam no Departamento de Polícia da cidade de Buffalo localizada no Estado de Nova York. No estudo, um questionário composto por 10 questões foi aplicado nos policiais para verificar o quanto estes se sentiam cansados ou com energia, independentemente das horas de sono ou da carga de trabalho. O questionário foi composto por cinco itens, expressos positivamente e cinco expressos negativamente, que mediram sensações de vigor/energia e cansaço, respectivamente. Os resultados do estudo mostraram que os policiais que não se sentiam ativos, cheios de vigor, alertas ou animados apresentaram uma prevalência significativamente maior de lesões não fatais no local de trabalho. Os autores destacaram a necessidade de elaboração de programas de intervenções no local de trabalho projetadas para aumentar o nível de energia, reduzir a sensação de cansaço e, assim prevenir acidentes de trabalho e doenças decorrentes da fadiga excessiva.
Uma outra investigação conduzida em policiais japoneses sugeriu que estes possuíam maior risco de desenvolvimento de doenças coronarianas como angina e infarto agudo do miocárdio em comparação com funcionários de escritório. Este risco iniciava em trabalhadores com ≥ 45 anos de idade e era aumentado também para os que trabalhavam por turno e os que realizavam um maior número de horas extras (SHIOZAKI et al., 2017).
A associação entre estresse e a profissão de policial tem sido também investigada através de medidas de marcadores fisiológicos como o cortisol salivar. Este é o caso da investigação conduzida por Tavares et al. (2017) em 134 policiais militares que apresentaram níveis elevados deste marcador.
Com base nas evidências descritas, o contexto laboral pode ter relação com uma esperança de vida de dois anos e três meses menor do APRF aos 50 anos, comparada com outros servidores públicos federais de nível superior (FGV, 2017), porém, sua associação com perfil etário e tempo de serviço ainda não foram elucidadas.
2.4 Polícia Rodoviária Federal
A PRF foi criada em 1928 através do Decreto nº 18.323 como polícia de estrada e em 1988 passou a compor o sistema nacional de segurança pública, definida no Art. 144 §2 da Constituição Federal como “órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais” (BRASIL, 1988).
Trata-se de uma organização civil, estruturada em cargo único e, conforme Missiunas (2009) “tem objetivo de garantir obediência às normas de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes”, sendo uma polícia administrativa, regida pelo direito administrativo, ou seja, predomina “o seu caráter preventivo, pois sua principal função é evitar que atos lesivos aos bens individuais e coletivos se concretizem”.
Com um efetivo de 97099, a instituição conta com policiais distribuídos em mais de 550 pontos de atendimento nas 27 Unidades da Federação e é o “principal elo entre o governo e a sociedade brasileira, trabalhando como polícia cidadã e visando garantir o policiamento ostensivo, a segurança, a fiscalização e o salvamento daqueles que utilizam as rodovias e estradas federais” (BRASIL, 2013).
A PRF pertence à estrutura administrativa do Ministério da Justiça e Segurança Pública e, a ela “cabe exercer as competências estabelecidas no § 2º do art. 144 da Constituição, no art. 20 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código Nacional de Trânsito, no Decreto nº 1.655, de 3 de outubro de 1995” (BRASIL, 2019).
As diretrizes para o cumprimento da missão constitucional da PRF estão elencadas na Portaria nº 28 (BRASIL, 2014),
O Plano Estratégico da PRF é único para todo o órgão, gerando efeitos e norteando todas as suas instâncias decisórias e executórias, ou seja, todas as decisões e ações da PRF devem estar vinculadas, direta ou indiretamente, a esse Plano Estratégico, devendo sempre objetivar o cumprimento da Missão e o atingimento da Visão de Futuro, exercendo seus Valores.
Destaca-se neste plano os investimentos em pessoas, logística e infraestrutura e o referencial estratégico, representando o que a instituição busca entregar ou como pretende ser vista pela sociedade. Entre os investimentos em pessoas definidos pela PRF em seu plano de atuação para o intervalo compreendido entre 2013 e 2020 está a adequação do quadro de pessoal às necessidades. Por outro lado, sua missão é “Garantir segurança com cidadania nas rodovias federais e áreas de interesse da União” (BRASIL, 2014).
Alguns dados operacionais relacionadas aos resultados institucionais esperados pela PRF entre 2016 e 2017 demonstraram aumento de 56,5% de apreensões de maconha, 40,4% de cocaína e 33,6% de armas. Também foram atendidos menos 7,5% de acidentes de trânsito, indicadores que estão associados com ‘o retorno à sociedade’ este que deve estar associado às dimensões trânsito, criminalidade, violência e segurança (BRASIL, 2014, 2016).
Pinto e Coronel (2017) afirmaram que podem existir organizações eficazes, porém ineficientes. Pois, enquanto eficácia está associada ao alcance dos objetivos ou indicadores desejados, a eficiência está relacionada aos meios utilizados pela organização para alcançar os resultados de forma produtiva ou econômica. Mesmo que associados, o desempenho institucional e o desempenho do servidor são dimensões que podem se apresentar colaterais. A FGV (2017) demonstrou que existe uma relação de dependência entre a quantidade de pessoas e a carga de trabalho crescente no âmbito de atuação da PRF. Um exemplo disso, refere-se a frota nacional, que passou de 3666 para 8802 veículos por APRF no intervalo entre os anos 2000 e 2016. A frota circulante em vias públicas é um dos indicadores indiretos da demanda ordinária da PRF e que apresenta tendência positiva em contraposição à tendência negativa do número de servidores policiais do órgão.
Quanto ao investimento em pessoas, em específico o item ‘adequar o quadro de pessoal às necessidades’, a PRF em 2013, iniciou a série histórica de seu mapa estratégico com déficit de 3.001 APRF, chegando a 3.389 policiais atualmente, ou seja, 25,87% menor que a previsão legal, que desde 2007 é 13.098 cargos de APRF (BRASIL, 2007). Outro dispositivo que trata sobre o efetivo da PRF é o acórdão 353/2006 do Tribunal de Conta da União (TCU). Neste relatório de auditoria de natureza operacional, a equipe técnica do tribunal à época recomendou ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG10), bem como à PRF, que o efetivo adequado de APRF seria 18.172, pois,
Tendo em vista que a frota nacional de veículos e a malha rodoviária federal tendem a aumentar gradativamente, por conseguinte, elevam-se, estatisticamente, os números de acidentes e de ocorrências de trânsito, bem como amplia-se a necessidade de cobertura policial nas rodovias, cabe reforçar a necessidade de aumentar o quadro vigente. Pela insuficiência de contingente, historicamente, também ocorreu a redução no número de postos policiais, fazendo-se essencial, atualmente, a revitalização e/ou criação de novos pontos de fiscalização (BRASIL, 2006).
Observa-se, então, que o número de servidores policiais e a política de recomposição do efetivo não tem acompanhado a tendência de aumento da demanda social pelos serviços prestados pela PRF. Outra questão identificada no efetivo de APRF é o alto grau de senioridade, com 43% concentrado na última classe da carreira, sendo 25% com mais de 20 anos de serviço. Essa distribuição irregular com mais servidores próximos da aposentadoria do que no início da carreira projeta um aumento na diferença entre o efetivo autorizado e o número de servidores ativos, implicando em mais demanda proporcional por servidor, elevando a expectativa de estresse conforme sintetizado na Figura 2 (FGV, 2017).
Além da dificuldade de recompor o efetivo e o ingresso irregular, houve também uma mudança no perfil etário dos novos ingressantes. Enquanto no ano de 2000, 41% dos candidatos estavam na faixa até 25 anos, em 2016 esta faixa representou 2% dos candidatos. Já as faixas de idade acima de 36 anos passaram de 15% para 30% entre 2000 e 2016. Um dos componentes que podem ter contribuído para isso, foi a entrada em vigor da Lei Nº 11.784, de 22 de setembro de 2008 que passou a exigir diploma de nível superior. O mapa do efetivo de APRF (Figura 3) mostra que a faixa etária mais representativa em 2000 se encontrava entre 26 e 35 anos, reduzindo de aproximadamente 40% para 27% em 2016, sendo o inverso do que ocorrera na faixa dos 36 a 45 anos, que passara de 27% a 44% no mesmo período (FGV, 2017).
Conforme descrito pela FGV (2017) e previamente visto na Figura 1, a quantidade de efetivo está vinculada às condições de trabalho, que junto às regras organizacionais e institucionais influenciam o estresse do policial e o contexto de atuação do APRF. Portanto, é um elemento gerenciável, com efeito sobre a cascata de dependência das dimensões qualidade de vida, doença e morte destes trabalhadores.
Está claro também, como destacado por Andrade e Guimarães (2017), que o trabalho policial é permeado pelo contato com a violência, o perigo, a tensão e a alta exposição a fatores de risco físico, químico, biológico, ergonômico, acidentes, da organização do trabalho e psicossociais, que podem afetar sua saúde e qualidade de vida.
Compreender as características desta função laboral, pode permitir às organizações policiais a adoção de medidas de assistência e prevenção dos agravos da atuação policial, sendo que na PRF “não existe um programa amplo para prevenção de doenças e assistência à saúde” (FGV, 2017).
Na PRF, a reponsabilidade sobre questões inerentes à saúde do servidor é da Divisão de Saúde e Assistência Social (DISAS), pertencente a estrutura administrativa central em Brasília. No âmbito dos Estados não há no organograma uma estrutura de saúde, senão o PROSSERV, que é um programa responsável pela gestão das ações de saúde em nível estadual. Porém, não há uma equipe técnica de saúde com médicos, psicólogos, assistentes sociais e/ou outros. As maiores ações de saúde organizadas pela PRF são o Teste de Aptidão Física (TAF), a Educação Física Institucional (EFI) e a Patrulha da Saúde, todos com participação voluntária. No TAF os servidores que aderem somam pontos para a progressão funcional e para processos seletivos na área de capacitação. É uma ação com ampla participação dos APRF com menor tempo de serviço; A EFI propõe uma quantidade de horas de dispensa do trabalho como contrapartida àqueles que praticam atividade física regular, e; A Patrulha da Saúde faz a verificação de alguns indicadores de saúde como, pressão arterial, circunferência abdominal, peso e estatura, sendo um evento de participação compulsória apenas aos participantes da EFI (BRASIL, 2013, 2019).
3 Métodos
3.1 Delineamento Experimental
Um estudo de coorte histórica foi conduzido via análise das fichas funcionais de policiais rodoviários federais entre 2014 e 2018, onde se utilizou os dados da coordenação geral de gestão de pessoas (CGGP/PRF) com sede em Brasília/DF. A disponibilização dos dados foi através da autorização contida no Ofício nº 323/2019/CGGP/DIRAD de 16 de abril de 2019, a partir da solicitação constante no Ofício nº 48/2019/EFETIVO-DEL09-RS/SRPRF-RS.
3.2 População, Critérios de Inclusão e de Exclusão
A população do estudo foi constituída por todos os APRF. Assim, não foi utilizada uma amostra dos servidores estudados, mas sim todo o universo destes servidores. Neste estudo foram incluídos os servidores que ingressaram no cargo de APRF até 31/12/2013 e que permaneceram ativos durante os cinco anos de análise, compreendidos de 01/01/2014 à 31/12/2018, de ambos os sexos, com qualquer idade e tempo de serviço e lotados em qualquer unidade da federação (n=8399). Foram excluídos os servidores com cargo de APRF que ingressaram ou que se aposentaram entre 01/01/2014 e 31/12/2018, bem como os servidores das carreiras administrativas do órgão, que não são policiais.
3.3 Método de Coleta de Dados
Este estudo utilizou as seguintes informações recebidas da CCGP/PRF:
a) Idade dos servidores ao ingressar na PRF;
b) Idade atual;
c) Sexo;
d) Dias de afastamento para LS;
e) Tempo de serviço;
f) Classe e padrão na carreira;
Os dados foram recebidos em planilha eletrônica formato Excel sem a identificação nominal dos servidores, bem como sem a identificação da doença ou problema de saúde que motivou a LS, de acordo com a classificação internacional de doenças (CID-10).
3.4 Ética
O estudo foi conduzido dentro das normativas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), sendo autorizado pela CGGP/PRF, responsável pelos dados, conforme Ofício nº 323/2019/CGGP/DIRAD de 16 de abril de 2019. Por tratar-se de um estudo retrospectivo, realizado a partir de análise de banco de dados da administração federal, no qual não era possível a identificação dos sujeitos da população, nem das causas clinicas das LS, não foi necessária solicitação de aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa, nem a aplicação do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) aos participantes.
3.5 Potencial Viés Metodológico
Os estudos constituídos por coorte retrospectiva ou histórica têm como possibilidade de viés a falta de informações e a inabilidade para controlar variáveis de confusão. Por exemplo, não foi possível identificar em detalhe as LS, porque tais informações são confidenciais e estão sob sigilo médico (BANDINI; BONCIANI; REBELO, 2017).
3.6 Análise Estatística
Os dados digitados em planilha Excel foram checados quanto a acurácia das informações digitadas e posteriormente transferidos para o programa estatístico SPSS (Versão 21.0) para a condução das análises estatísticas. Foram utilizadas como variáveis descritivas idade, sexo, dias de afastamento para LS e tempo de serviço dos APRF, e como variáveis de estudo a LS pessoal e a idade de ingresso, sendo excluídos outros tipos de afastamento previstos em lei, bem como afastamentos para acompanhamentos de saúde de dependentes. Uma vez que a grande maioria dos servidores era do sexo masculino, e que mulheres podem se afastar por LS relacionada a gestação, criando algum nível de viés na quantidade e tempo de afastamento, inicialmente foram feitas comparações entre o perfil demográfico e funcional de homens e mulheres. As demais análises também foram conduzidas separadamente, entre homens e mulheres. A evolução da distribuição de afastamentos por LS foi feita por regressão linear. Após, a população foi categorizada em indivíduos que solicitaram ou não solicitaram LS comparando-se as diferenças principais entre eles. Os resultados obtidos na pesquisa foram expressos por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvios padrões (variáveis quantitativas) ou por frequências e percentuais. Uma vez que todas as variáveis quantitativas não apresentaram distribuição normal averiguada pelo teste de Kolmogorov-Smirnof as comparações estatísticas foram feitas via as seguintes análises não paramétricas: comparação de amostras independentes por teste de Wilcoxon-Mann-Whitney, teste de medianas via análise de Kruskall-Wallis, análise de categorias por Qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. Para analisar as variáveis intervenientes dos afastamentos foi realizada regressão logística multivariada modelo Backward Wald, o que permitiu cálculo de risco relativo das variáveis preditoras de LS. Todos os testes estatísticos foram considerados significantes quando os valores de p<0,05.
4 Resultados
O estudo incluiu um total de 8399 servidores, destes 7603 (90,5%) eram do sexo masculino e 796 (9,5%) do sexo feminino. A idade média dos APRF no ano que o estudo iniciou (2014) era de 41,1 ± 7,6 anos (mínimo 24, máximo 69, mediana = 40,5 anos). Já a idade média de ingresso na PRF foi de 28,5 ± 5,5 anos (mínimo 1511, máximo 62 e mediana = 27,9 anos). Em relação ao perfil de afastamentos, durante os 5 anos de seguimento ocorreram 459.326 dias afastados por LS, com uma média de 69,6 ± 115 (mínimo 1, máximo 1423) e mediana de 26 dias de afastamento.
4.1 Comparação entre os Indicadores Funcionais de Homens e Mulheres Aprf
Considerando que, no caso das mulheres podem ocorrer LS, não por motivo de doença per se, mas sim relacionados a gestação e ao parto, pareceu relevante inicialmente fazer uma comparação entre as principais variáveis investigadas entre os sexos. Como as variáveis quantitativas não apresentaram distribuição normal, a maior parte das comparações entre elas foi feita via categorização e os resultados são apresentados na Tabela 1.
A distribuição de idade mostrou uma frequência significativamente maior de homens com idade ≥ 40 anos (53,4%) do que nas mulheres (41,4%). No momento do ingresso na carreira de APRF um número significativamente maior de homens (12,8%) tinha ≥ 35 anos idade de idade do que mulheres (9,1%). A proporção de homens e mulheres também variou significativamente entre as regiões brasileiras, existindo menor número de mulheres em relação aos homens nas regiões Sudeste e Sul e maior número nas regiões Norte e Centro-Oeste. A Região Nordeste apresentou uma frequência de mulheres intermediária entre as demais regiões.
O tempo médio de serviço dos APRF foi significativamente maior para homens (12,7 ± 7,9 anos) do que para as mulheres (11,4 ± 9,2 anos) (p=0,001). Estas diferenças também se refletiram na distribuição dos homens e mulheres nas diversas categorias do plano de carreira. Este inicia com o chamado Padrão I da 3ª Classe, e de acordo com o desempenho das atribuições o profissional passa a ser promovido anualmente e progride até atingir o padrão III da Classe Especial.
Neste trabalho a distribuição dos homens e mulheres APRF por classe geral do plano de carreira também foi comparada. No início do estudo existia um maior número de homens (76,6%) na classe mais elevada do plano de carreira (Especial), do que mulheres (62,9%). Estes resultados apontaram que não há uma distribuição harmônica entre as classes, demonstrando uma inversão na pirâmide funcional da PRF, já que existe um número expressivo de indivíduos concentrados nas categorias superiores do plano de carreira em detrimento das demais.
4.2 Evolução da Frequência de Licença de Saúde no Período de 2014 A 2018
Considerando o período investigado (2014 a 2018), a média anual de servidores com LS foi de 45,7 ± 9,3%. Entretanto, um maior percentual de mulheres se afastou para LS (54,22 ± 3,2%) do que homens (37,2 ± 2,7%) (p=0,0001). Análise da evolução da frequência de afastamentos ao longo dos cinco anos estudados feita por regressão linear não mostrou diferenças significativas na frequência de afastamentos entre os anos. Ou seja, estas frequências tenderam a permanecer estáveis, sem linearidade de crescimento ou diminuição e confirmando um maior número de mulheres que se licenciaram do que homens (p=0,001).
Uma vez que estes dados não indicam qual é o contingente efetivo de servidores que não entraram em LS ou que entraram pelo menos uma vez em LS no período, uma outra análise foi realizada. Para tanto, foram identificados aqueles APRF que não se licenciaram em nenhum dos anos aqui investigados. Os resultados mostraram que 21,5% (n=1802) não se afastou por LS no período. Considerando os sexos, este número foi ainda mais reduzido nas mulheres (n=72, 9,0%; p=0,001) do que nos homens (n= 1730, 22,8%).
4.3 Evolução do Tempo (Dias) de Licença de Saúde no Período de 2014 a 2018
Um outro quesito importante em relação a LS é o impacto que o tempo em dias de afastamento pode ter sobre a eficiência das atividades laborais da PRF. A Tabela 2 apresenta os principais resultados obtidos em relação a esta variável, comparando-os entre homens e mulheres. No período analisado, o tempo de licença em dias foi significativamente maior nas mulheres do que homens em todos os anos analisados. O somatório de tempo de licença no período de cinco anos também mostrou tempo maior de LS nas mulheres do que nos homens.
Análise da evolução do tempo de LS (em dias a cada ano), por regressão linear, no período investigado mostrou estabilidade, portanto, sem indicação de crescimento ou decréscimo tanto nas mulheres (p=0,825), quanto nos homens (p=0,261).
A partir destes resultados optou-se por investigar a potencial associação entre afastamentos por LS e idade do servidor no início do estudo e no momento de ingresso na carreira de APRF separadamente entre homens e mulheres. Isto porque, notadamente os sexos apresentam diferenças importantes incluindo: (1) o número de mulheres na carreira de APRF incluídas neste estudo é menor que 10%; (2) foi identificada ocorrência de diferenças significativas entre homens e mulheres apresentadas na Tabela 2 em relação a idade de ingresso na carreira, idade no início do estudo, região de lotação e categorias funcionais; (3) mulheres apresentaram maior frequência de LS e maior tempo de afastamento do que homens. Entretanto, é importante ressaltar que mulheres podem entrar em LS relacionada a gestação, o que poderia impactar na frequência e tempo da licença.
4.4 Associação entre Licença de Saúde e Idade em Homens APRF
A partir destes resultados foi conduzida uma análise da associação entre a idade do servidor no início do estudo (2014), a idade do servidor no momento do ingresso como APRF e o tempo de serviço como APRF com: (1) a ocorrência de pelo menos um afastamento para LS no período de 05 anos; (2) comparação do número de afastamentos por ano (1, 2, 3 e ≥ 4 anos com histórico de afastamentos) e; (3) a frequência de afastamentos por LS maiores que 30 dias, o que impacta no gerenciamento das atividades do APRF, em virtude do seu trabalho desenvolver-se em regime de escala de revezamento, divulgada mensalmente.
Em relação a idade do servidor no início do estudo, foi observado aumento significativo na frequência de LS no período de 2014 a 2018 naqueles que possuíam > 60 anos (p=0,001).
Os anos em que os servidores se afastaram para LS entre 2014 e 2018 também foram analisados considerando a idade deles no início do estudo. Observou-se que, enquanto os APRF mais jovens (< 30 anos) apresentaram maior frequência de afastamentos por problemas de saúde em apenas um dos anos dentro do período de cinco anos, os servidores com mais idade (> 60 anos) apresentaram frequência significativamente maior de ocorrência de pelo menos uma LS em 4 a 5 anos do período investigado (p=0,034). Ou seja, a tendência é a de que o servidor com mais idade passe a se afastar quase que anualmente para LS.
A análise por regressão logística indicou que a associação entre idade acima de 60 anos e afastamentos por LS de APRF homens foi independentemente da idade do ingresso na corporação, do tempo em que está trabalhando na PRF e região do País onde está lotado. O risco relativo (RR) de APRF homens acima de 60 anos se afastarem, pelo menos uma vez no ano por LS foi de 2,28 vezes maior (intervalo de confiança, IC 95% = 1,39-3,74) do que os servidores situados nos grupos etários mais jovens.
O tempo de LS (em dias) também foi avaliado em relação a idade dos APRF no início do estudo considerando afastamentos por mais de 30 dias. Os resultados mostram que este tipo de afastamento também foi mais frequente nos servidores com idade superior a 60 anos (p=0,001). Aqui vale destacar que, pouco mais de 2% (n=200) dos APRF incluídos neste estudo eram idosos. Afastamentos acima de 25 dias foram significativamente mais frequentes em servidores com idade de 40 anos ou mais (n=1463). O conjunto destes servidores representa 53,4% dos profissionais homens em atividade.
Ao contrário da idade do servidor no início do estudo, a idade do servidor no momento do seu ingresso na PRF, assim como o tempo em que estava trabalhando na corporação não foram de grande relevância no perfil de afastamentos para LS.
4.5 Associação entre Licença de Saúde e Idade em Mulheres APRF
Análise similar foi conduzida considerando as mulheres APRF. Os resultados também mostraram associação significativa entre maior frequência de pelo menos um afastamento por LS em um ano e a idade (p=0,001). O RR de mulheres apresentarem algum tipo de afastamento por LS por terem mais idade foi 1,54 vezes (IC95% 1,12-2,13). Análise multivariada por regressão logística mostrou que esta associação foi independentemente da região do País onde estas mulheres estavam lotadas, da idade de ingresso na corporação e do tempo de serviço como APRF.
Quando foi considerado o tempo em dias de afastamento para LS, os resultados nas mulheres APRF foram bastante heterogêneos, não existindo um padrão claro de associação durante o período investigado. Em parte, isto ocorreu pelo baixo número de mulheres, ou com idade de até 30 anos (n=21) ou com idade superior a 60 anos (n=16). De qualquer modo, os principais resultados considerando estas duas categoriais etárias mais extremas são apresentados a seguir: em 2014 mulheres com até 30 anos apresentaram uma frequência destes afastamentos mais prolongados de 25%, enquanto nas mulheres com idade superior a 60 anos, esta frequência foi de 33% (p= 0,631). Em 2015, a frequência de mulheres jovens com afastamentos superiores a 30 dias caiu para 3,8% (n=1), enquanto nas mulheres com mais idade esta frequência permaneceu mais alta (31,5%) (p=0,08). Em 2016, 16,0% de mulheres com até 30 anos de idade se afastaram por mais de 30 dias por LS, enquanto 46,7% das mulheres acima de 60 anos também se afastaram por período prolongado (p=0,025). Em 2017 este persistiu somente para as mais jovens, com 18,2% das mulheres até 30 anos tendo se afastado por mais de 30 dias. Entretanto, a frequência deste afastamento mais prolongado caiu para 13,2% nas APRF com >60 anos (p=0,037). Em 2018, mulheres mais jovens retornaram a apresentar maior frequência de afastamentos prolongados (23,8%) do que as que estão nas faixas etárias mais elevadas (12,5%) (p= 0,080).
Similar aos homens, a idade de ingresso na PRF e o tempo de atividade policial não apresentou impacto elevado no padrão de afastamentos para LS.
5 Discussão
O estudo aqui apresentado investigou o impacto da idade no perfil de afastamentos para LS dos APRF. Os principais resultados mostraram que a PRF possui uma pirâmide etária invertida no seu quadro funcional, existindo um grande contingente de servidores com idades mais avançadas e em categorias funcionais mais elevadas. Grande parte dos servidores se afastou para LS pelo menos uma vez ao longo dos cinco anos de estudo. Este resultado é de grande relevância porque indica potencial impacto nas condições de trabalho, na qualidade de vida e saúde dos agentes. A idade do servidor no início do estudo mostrou grande impacto na ocorrência de afastamentos por LS no período investigado. Esta associação foi observada tanto em homens quanto em mulheres. A idade também impactou a ocorrência de maior tempo de afastamento (> 30 dias) nos homens APRF.
A seguir os resultados obtidos são discutidos em maior profundidade bem como são feitas algumas considerações, em nível de gestão que poderiam melhorar este perfil da saúde do APRF.
5.1 Perfil Etário e Perfil Funcional dos APRF
Como previamente comentado, a PRF não estabelece limites etários para novos ingressantes no cargo de APRF, bem como para a permanência destes no serviço de policiamento. Este aspecto da política de recrutamento e gestão do efetivo policial do órgão tem grande associação com a distribuição irregular tanto na pirâmide de classes e padrões da carreira de APRF quanto na pirâmide etária. Uma análise das categorias etárias do efetivo masculino mostra que o grupo com mais de 45 anos (27,7%) predomina sobre os grupos de menor idade. O sexo feminino apresentou maior equilíbrio entre as faixas, predominando o grupo etário de 30 a 34 anos (28,6%). Abaixo dos 30 anos os homens somaram 3,2% e as mulheres 6,3% do total de servidores policiais. Destaca-se que estas categorias etárias consideram as mudanças na capacidade funcional a partir do início da idade adulta e os declínios fisiológicos decorrentes do processo de envelhecimento conforme descrito no item 2.2, sendo que as questões intrínsecas da profissão policial per se, sujeitam estes trabalhadores a um risco aumentado de morbidades.
Conforme observado, a expressão etária da população de APRF é bastante irregular e diferente entre homens e mulheres. No entanto, as evidências sugerem que as faixas etárias de adultos jovens deveriam predominar em relação as subsequentes, ou, em caso de recomposição regular, manter um equilíbrio entre as faixas, expressando-se de forma similar a uma pirâmide ou retângulo, respectivamente, como um modelo sugerido.
A partir das análises realizadas, observa-se que o estabelecimento de limitadores de idade de ingresso e permanência na função pode ter grande impacto na gestão de pessoas do órgão. Entre elas, destacam-se: (1) diminuição proporcional do número de LS; (2) diminuição na frequência/repetição anual de LS; (3)13 diminuição da quantidade de dias de LS; (4) aumento na capacidade de tolerância a sobrecarga14 por parte dos APRF; (5) exclusão de um grupo com RR maior que os demais, e; (6) não sujeição de idosos15 às condições e riscos intrínsecos da profissão;
Por outro lado, destaca-se que a concentração de servidores na última classe, não apresentou associação com os afastamentos por LS, ainda que a maioria deles faça parte do grupo etário mais elevado, impactando indiretamente na gestão de progressões funcionais e na adesão aos programas de saúde existentes.
Pode ter contribuído para este resultado, a irregularidade no ingresso dos agentes e/ou sua permanência após cumpridos os requisitos de aposentadoria, porém, estas categorias não foram analisadas neste estudo.
5.2 Eficiência Funcional
O afastamento por LS compromete em menor ou maior grau os resultados esperados em qualquer organização, podendo ser as LS do APRF, o desfecho das circunstâncias que o trabalhador está sujeito, sejam elas questões intrínsecas de sua atividade laboral, os índices de violência no País e/ou a demanda de trabalho. Também aspectos organizacionais como a quantidade de servidores e o perfil etário podem estar contribuindo para o padrão de afastamentos, como visto neste estudo.
Conforme já mencionado, as dimensões em análise podem impactar na administração pública, especificamente no princípio da eficiência. Segundo Meireles (2013) eficiência funcional abrange,
não só a produtividade do exercente do cargo ou da função como a perfeição do trabalho e sua adequação técnica aos fins visados pela Administração, para o qual se avaliam os resultados, confrontam-se os desempenhos e se aperfeiçoa o pessoal através de seleção e treinamento. Assim, a verificação da eficiência atinge os aspectos quantitativo e qualitativo do serviço, para aquilatar do seu rendimento efetivo, do seu custo operacional e da sua real utilidade para os administrados e para a Administração. Tal controle desenvolve-se, portanto, na tríplice linha administrativa, econômica e técnica.
Pode-se dizer, portanto, que há uma relação de interdependência entre o que a instituição espera entregar, previsto em seu projeto estratégico, e o que ela consegue entregar através dos meios que dispõe. Neste contexto, há de observar que o número de APRF não acompanhou a evolução dos indicadores indiretos de demanda ordinária do órgão. Como previamente visto no item 2.3, a violência no país dá uma ideia da crescente demanda por serviço na área da segurança pública. Outro indicador da demanda ordinária da PRF foi o aumento no número de veículos por APRF em 126% em menos de 14 anos. Estas questões, juntamente com as dimensões gerenciáveis podem estar contribuindo de forma predatória em desfavor da saúde e se manifestando em forma de LS em APRF.
Desta forma, é mister afirmar que deve haver uma equalização na quantidade e um rejuvenescimento dos APRF, ao que o órgão pode ancorar em seu componente estratégico “adequar o quadro de pessoal às necessidades” (BRASIL, 2014).
5.3 Política de Saúde
Como identificado na Figura 1, a gestão de saúde tem influência na saúde, qualidade de vida, doença e morte dos APRF, sendo que na instituição “não existe um programa amplo para prevenção de doenças e assistência à saúde” (FGV, 2017).
Conforme a portaria interministerial nº 2, que estabelece as Diretrizes Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos dos Profissionais de Segurança Pública (BRASIL, 2010), são direitos constitucionais,
[...] 17) Oferecer ao profissional de segurança pública e a seus familiares, serviços permanentes e de boa qualidade para acompanhamento e tratamento de saúde.
18) Assegurar o acesso dos profissionais do sistema de segurança pública ao atendimento independente e especializado em saúde mental.
19) Desenvolver programas de acompanhamento e tratamento destinados aos profissionais de segurança pública envolvidos em ações com resultado letal ou alto nível de estresse.
20) Implementar políticas de prevenção, apoio e tratamento do alcoolismo, tabagismo ou outras formas de drogadição e dependência química entre profissionais de segurança pública.
21) Desenvolver programas de prevenção ao suicídio, disponibilizando atendimento psiquiátrico, núcleos terapêuticos de apoio e divulgação de informações sobre o assunto.
22) Criar núcleos terapêuticos de apoio voltados ao enfrentamento da depressão, estresse e outras alterações psíquicas.
23) Possibilitar acesso a exames clínicos e laboratoriais periódicos para identificação dos fatores mais comuns de risco à saúde.
24) Prevenir as consequências do uso continuado de equipamentos de proteção individual e outras doenças profissionais ocasionadas por esforço repetitivo, por meio de acompanhamento médico especializado.
25) Estimular a prática regular de exercícios físicos, garantindo a adoção de mecanismos que permitam o cômputo de horas de atividade física como parte da jornada semanal de trabalho.
Atualmente a PRF desenvolve apenas projetos e programas de saúde com adesão facultativa, como do item 25 da citação acima, portanto não alcança a totalidade do efetivo em suas ações, tampouco conhece as causas de afastamento dos APRF, uma vez que é desprovida de profissionais de saúde na administração.
A falta de uma política transversal que aborde o conjunto dos pilares de saúde previstos na Portaria supracitada, apresenta-se como um agravante na gestão das LS, tornando abstrusa a intervenção para a redução de afastamentos por problemas de saúde, bem como inexpressiva a tentativa de promover a saúde dos APRF.
Por fim, é relevante comentar algumas limitações metodológicas associadas ao estudo. Este trabalho foi conduzido a partir de um banco previamente organizado e disponibilizado pelo órgão governamental. Portanto, não foi possível incluir qualquer outro tipo de variável adicional que pudesse ser relevante para o estudo. Além disto, por questões de proteção ao trabalhador não foi possível identificar a principal causa de afastamento para LS, se por causas externas, morbidades clínicas ou psiquiátricas, infecções agudas, ou outras. De todo modo, fica claro que, com a idade o APRF apresenta um risco elevado, tanto em se afastar para LS mais vezes quanto por mais tempo.
6 Conclusão
O estudo aqui descrito avaliou o impacto da idade do APRF no perfil e evolução dos afastamentos para licença de saúde (LS), e os resultados permitiram estabelecer as seguintes conclusões.
A comparação do perfil demográfico e funcional entre homens e mulheres APRF mostrou maior frequência de indivíduos com idades > 40 anos em homens do que mulheres; a idade de ingresso na carreira também foi maior nos homens que nas mulheres, bem como existiam mais homens em classes funcionais superiores do plano de carreira, do que mulheres. Adicionalmente foi observado existir mais mulheres no Norte e Centro-Oeste do que nas demais regiões do País. Por apresentarem um perfil diferenciado, todas as demais análises foram conduzidas separadamente, segundo o sexo dos servidores.
Um número relativamente alto, tanto de homens quanto mulheres foi afastado por LS no período estudado. Entretanto, a evolução dos afastamentos permaneceu estável, ou seja, não diminuiu, nem aumentou, mas foi considerada alta.
A idade impactou significativamente a frequência de afastamentos para LS e o tempo de afastamento. Este resultado também foi similar entre os sexos. A associação entre idade e afastamento por LS foi independentemente da idade de ingresso na carreira, da região do país onde o APRF estava lotado e da sua classe funcional.
O conjunto dos resultados corrobora a sugestão de que o tempo de atividade como Policial Rodoviário Federal é limitado, provavelmente por aspectos específicos das funções realizadas. Estes resultados podem auxiliar na organização da gestão de pessoas da PRF, principalmente no sentido de minimizar o impacto da interação trabalho-idade-saúde destes trabalhadores e otimizar a eficiência nos serviços prestados à sociedade.
Referências
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