Talita Gonçalves Posser
Bruna de Vargas Bianchim
Vânia Medianeira Flores Costa
Érika Gengnagel
Natália Funghetto Dapieve
Introdução
O trabalho ocupa uma posição primordial na vida das pessoas, tornando-se o centro de preocupações e investimentos individuais e coletivos, considerado fonte de renda e mecanismo de integração social, desempenhando um papel importante na construção da identidade de um indivíduo (MONTEIRO, 2014). Com isso, os trabalhadores dedicam uma quantidade significativa de horas do dia para exercer a atividade profissional e as experiências vivenciadas no ambiente laboral induzem fortemente a percepção da qualidade das relações sociais estabelecidas no ambiente de trabalho. Desse modo, Corrêa (2018) evidencia que as principais responsáveis pelo alcance dos objetivos organizacionais são as pessoas e a não observância das condições de trabalho favorece o adoecimento e consequentemente a ineficiência de instituições.
Barbosa et. al (2010) relatam que durante muito tempo, predominou nos países ocidentais a ideia de que saúde e doença eram entidades separadas e de que as doenças tinham origem biológica e pouca relação com os problemas psicológicos e sociais. Todavia, sabe-se que o ambiente organizacional quando inadequadamente gerenciado ocasiona prejuízos a saúde do funcionário, desencadeando o aumento do Estresse Ocupacional e a Síndrome de Burnout, além da diminuição do bem-estar psicológico, físico e comprometimento organizacional. Dentre os comportamentos instigadores dessas doenças ocupacionais constatasse a incivilidade no trabalho.
Meier e Cho (2018) definem a incivilidade no trabalho como um comportamento desviante de baixa intensidade, no qual o colaborador prejudica seu colega, desobedecendo as normas de respeito mútuo, estabelecidas no ambiente de trabalho. Os autores Sakurai e Jex (2012) explicavam que um alto nível de incivilidade entre os colaboradores pode ser um considerado um problema de negócio para as organizações. Os indivíduos alvos do comportamento incivil apresentam maior distração cognitiva, estresse, sofrimento psicológico, menor satisfação e criatividade. Bunk e Magley (2013) acrescentam que as emoções negativas como a raiva, culpa e medo são os resultados que fundamentam os comportamentos injustos e desrespeitosos, como a incivilidade. Outro fator que é instigado pela incivilidade é o aumento dos transtornos psicológicos relacionados ao trabalho. De acordo com Tonin (2018) as pesquisas apontam que as empresas estão cada vez mais sendo confrontadas com casos de assédio psicológico, intimidação, assédio moral, assédio sexual e outras formas de violência. Além disso, as doenças profissionais conferem elevados custos para o empregador, para o funcionário e para a sociedade como um todo.
Diante as consequências na vida pessoal e no ambiente de trabalho ocasionados por atos incivis e frente a importância do sistema educacional para a sociedade, torna-se relevante estudar a incivilidade no trabalho na perspectiva dos professores. Autores como Silva e Mafra (2014) descrevem o professor como um profissional que desempenha diversas atividades, enfrenta pressões de fontes variadas e desenvolve um leque de capitais, competências e habilidades, demonstrando diferentes relações com o conhecimento. Para esses autores essa categoria profissional tem passado por significativas transformações em um curto período de tempo. Anteriormente, ser professor era sinônimo de poder, intelectualidade e status social e passou a enfrentar uma forte precarização e desvalorização.
Essas considerações vão ao encontro de Cittolin (2014) que afirmava que a incivilidade vem aumentando no contexto educacional, interferindo no processo de ensino e aprendizagem, comprometendo assim, o bem-estar do corpo docente, dos alunos e do processo educacional como um todo. Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo identificar os índices de incivilidade no trabalho na percepção dos professores da educação básica de instituições públicas e privadas do município de Santa Maria/RS.
A pesquisa justifica-se teoricamente por colaborar para o avanço das pesquisas sobre tema, acrescentando à literatura nacional estudos teórico-empíricos. O debate sobre incivilidade no trabalho no campo da Administração merece um olhar mais aprofundado, tanto para avanços teóricos como práticos. Com relação ao tema escolhido para a realização desse estudo, não foram encontrados no Brasil trabalhos que utilizem a Escala de Incivilidade no Trabalho proposta por Cortina et al. (2011) e validada no contexto nacional por Tonin (2018). Assim, é importante explicar que a definição do público alvo se deu a partir do entendimento de Mendonça (2017) o qual destaca que a área educacional, para qualquer sociedade, é fundamental, e o cuidado com a saúde dos professores representa um cuidado com as gerações futuras, as crianças e os jovens para os quais ensinam. Além disso, abre caminhos para evidenciar a importância da temática de incivilidade no trabalho para gestores da área de gestão de pessoas e da área educacional, contribuindo para decisões institucionais no âmbito da educação. Mendonça (2017) afirma que estudos na área educacional proporcionam melhorias na qualidade do serviço prestado à sociedade, uma vez que o bem-estar dos funcionários e o respeito presente no grupo de trabalho são priorizados. Para a autora, trata-se de ensinar a valorizar o outro, de maneira contínua, na esfera do trabalho, lugar onde se passa parte significativa do tempo e como cada sujeito exerce vários papéis sociais, considera-se que o impacto da melhoria no ambiente de trabalho traz reflexos para além dos muros organizacionais.
Posto isto, visando atingir o objetivo apresentado, o estudo encontra-se estruturado em mais quatro seções além dessa introdução. A segunda seção contempla uma revisão da literatura acerca do tema. Na terceira seção aborda-se os procedimentos metodológicos adotados para a operacionalização desse trabalho. Na quarta seção apresenta-se a análise de discussão dos resultados. Por fim, encerra-se este trabalho coma apresentação das considerações finais.
Marco Conceitual: A Incivilidade no Trabalho
Andersson e Pearson (1999, p. 457) definem a incivilidade no local de trabalho como um comportamento desviante de baixa intensidade com a intenção ambígua para prejudicar o alvo, em violação das normas do local de trabalho para o respeito mútuo, com condutas caracteristicamente rudes e descortês, exibindo uma falta de consideração pelos outros.
Atribui-se que a incivilidade deriva talvez de fatores como a ignorância do ofensor, descuido ou personalidade. Segundo Silva (2012), o poder ou domínio social do ofensor, desprezo por autoridades e normas, desejo por recursos valorizados, valorização da autoapresentação e diferença de valores com relação ao alvo, podem ser aspectos que motivam o comportamento incivil. Ainda para a autora, comportamentos incivis mascarados incluem atitudes como interromper um colega ou colaborador, deixar de convidar para uma integração social ou de incluir em ações de camaradagem profissional, ou ainda, simplesmente ignorar o indivíduo. Em contrapartida, formas mais explícitas de incivilidade profissional seriam a propagação de rumores e boatos, a acusação de incompetência, a demonstração de descontrole e explosões de raiva etc.
As autoras Andersson e Pearson (1999) e Lim, Cortina e Magley (2008) apresentam três características base para o comportamento incivil: violação das normas de trabalho e do respeito, a intenção ambígua, e a baixa intensidade. A primeira delas se refere às próprias normas de funcionamento de cada organização, que possui políticas e regras de conduta que geram expectativas de comportamentos que são aceitáveis entre os funcionários. Esta compreensão compartilhada das normas permite uma maior cooperação dentro da organização. No entanto, atos incivis podem prejudicar o ambiente colaborativo e perturbar o bem-estar da organização e de seus funcionários. Cabe destacar que embora no local de trabalho normas oscilem entre organizações e indústrias (PEARSON et al., 2001; PEARSON; ANDERSSON; PORATH, 2005), uma série de comportamentos, tais como sair de uma fotocopiadora e deixá-la sem papel ou com papel encravado, não conseguir de volta materiais emprestados, ou não responder a um e-mail ou a uma mensagem de voz, são comumente interpretados como incivis (JOHNSON; INDVIK, 2001; MARTIN; HINE, 2005).
A intenção ambígua, segunda característica base para o comportamento incivil, relaciona-se com o comportamento de quem pratica o ato de incivilidade: o instigador. Para Andersson e Pearson (1999), o objetivo do instigador nem sempre é claro para o indivíduo que sofre com esse ato. Os comportamentos incivis podem ser intencionais, mas ocorrem também devido à ignorância, ao descuido ou a personalidade do instigador. Porém, a ambiguidade causa para a vítima um alto nível de estresse, de modo que esta não perceba sentido na situação, e, consequentemente, não saiba como responder ao comportamento.
A terceira característica base para o comportamento incivil é a baixa intensidade. Andersson e Pearson (1999) postularam que a incivilidade representa o início de uma espiral ascendente de eventos organizacionais negativos, eventualmente, escalada para comportamentos coercivos e violentos dos funcionários. Na verdade, para Pearson et al. (2000) quando o indivíduo experimenta eventos constantes de incivilidade, isto leva a uma espiral, de modo que a percepção de uma pessoa sobre a incivilidade sofrida pode ser usada para retaliar com um outro comportamento incivil, que eventualmente direciona a formas mais agressivas e intensas de maus tratos. Segundo Lim et al. (2008), comparado com atos agressivos, tais como assédio moral ou sexual, incivilidade é de menor grau de gravidade, ou seja, mesmo sendo um comportamento de menor intensidade, este ainda induz à agressão e conflitos crescentes.
Cortina (2008) explica que outro fator estimulador da incivilidade é a internalização de crenças e valores culturais dos indivíduos, que formam uma pesada bagagem social e cultural adquirida em interações de diferentes contextos sociais, mas que os seguem para seus meios de trabalho. Sendo assim, com a intenção de compreender melhor a discriminação no trabalho, é preciso estar atento ao contexto social e organizacional. Para essa autora, uma vez que a sociedade é permeada por distribuições desiguais de poder combinadas com o preconceito para com as minorias, forma-se uma situação perfeita para a opressão, inclusive no ambiente profissional. Portanto, indivíduos que detêm o poder tendem a preservar seu status quo de modo a reforçar sua posição, manter seu acesso a recursos valiosos e aumentar sua autoestima. Cortina (2008) acredita ainda que as pessoas encarariam pressões para se adequar às normas do grupo em que trabalham, buscando adaptar seus conhecimentos, emoções e comportamentos para se enquadrar melhor no mundo social do trabalho e, assim, obter a aprovação do outro.
Cabe ressaltar também que existem explicações de por que, em determinadas circunstâncias, mulheres e negras e/ou pardas podem ser alvo de mais incivilidade do que os homens e brancos. A autora também observou que a ambiguidade inerente à conduta descortês (por exemplo, usando um tom condescendente, ignorando ou interrompendo um colega, menosprezando a contribuição de um colega de trabalho) torna possível racionalizar estes comportamentos como imparcial, isto é, atribuí-los a fatores (por exemplo, falta de cuidado instigador ou personalidade) que não têm nada a ver com raça ou gênero (CORTINA, 2008).
Entretanto, Andersson e Pearson (1999) e Sievers e Mersky (2006) sugeriram que quando o comportamento viola uma norma social, sentimento de injustiça podem surgir no indivíduo que sofreu incivilidade, desencadeando pensamentos hostis e atribuições negativas no alvo. Dentre outras palavras, o alvo interpreta a violação das normas de comportamento como uma forma de tratamento interpessoal injusta. Sentindo-se tratado injustamente, o alvo passa a experimentar o humor negativo, que por sua vez retribui o comportamento com uma forma mais incivil de tratamento. Francis, Holmvall, e O’Brien (2015) acrescentam que quando a incivilidade é frequente, o alvo talvez faça inferências a respeito de por que o agressor agiu de tal maneira. Dessa forma, percebe-se que comportamentos incivis ocasionam diferentes consequências e efeitos para as organizações e os indivíduos.
Cortina, et al. (2001) argumentavam que as pesquisas realizadas por Lazarus e Folkam (1984) já avaliavam os aborrecimentos diários e perturbações na rotina de trabalho como uma ameaça. Segundo Pearson, et al. (2005) e Gilin Oore (2010), quando o indivíduo sofre com frequência esses comportamentos, seu bem-estar psicossomático é prejudicado e seu nível de estresse é elevado.
Diante da conceituação da incivilidade no trabalho e suas consequências no ambiente de trabalho e na vida social dos indivíduos, autores já estão desenvolvendo pesquisas que identifiquem quais as estratégias de enfretamento dos atos de incivilidade no trabalho. Porath e Pearson (2012) identificarem que o Suporte Social e o Suporte Organizacional está atrelado ao enfrentamento da incivilidades. Chen, Ferris, Kwan et al. (2013) desenvolveram um modelo de auto melhoria da incivilidade no local de trabalho. Em pesquisas mais recentes, Di Fabio e Duradoni, (2019) identificaram os métodos de prevenção primária e combate a incivilidade no trabalho para os trabalhadores.
Metodologia
Para o alcance do objetivo proposto, o estudo caracteriza-se como uma pesquisa de natureza descritiva com o emprego da abordagem quantitativa. Para Bertucci (2015) o principal objetivo da pesquisa descritiva é relatar as principais características de uma estipulada população ou acontecimento ou, então, o estudo de relações entre as variáveis. Com isso, a autora afirma que as pesquisas descritivas buscam determinar relações entre as variáveis observadas e erguer hipóteses ou expectativas para explicar essas relações.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil (LDB) prevê que a educação básica abarque três níveis de ensino: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, sendo que os dois primeiros níveis são de competência do sistema municipal. Ainda, a LBD define as modalidades de Educação de Jovens e Adultos (EJA), a qual é destinada a pessoas que não tiveram acesso ou continuidade nos Ensinos Fundamental e Médio na idade própria e de Educação Profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, e que conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida profissional (BRASIL, 1996). A rede municipal de educação básica de Santa Maria possui quatro níveis de formação tratados acima (educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos e ensino profissional), e, ainda, uma escola destinada ao ensino de artes. Com base nas informações públicas da Secretaria de Município da Educação (SMED, 2019), a cidade de Santa Maria possui 133 instituições distribuídas nas redes de ensino de esfera municipal e privada, que abarcam a educação básica, sendo 80 escolas municipais e 53 privadas.
Para fins de delimitação da amostra considerou-se o critério indicado por Hair Jr. et al. (2009), o qual sugere uma relação entre o tamanho da amostra e o número de variáveis analisadas na pesquisa, propondo como uma proporção aceitável para o tamanho de amostra de dez para um. Visto que o questionário de pesquisa contém 12 questões, a amostra mínima a ser atingida de 120 respostas válidas. Desse modo, estabelecer-se-á uma amostragem não probabilística por conveniência. Sendo assim, o estudo superou as expectativas de coleta, com 166 respostas válidas, o que supera o cálculo mínimo com base nos critérios adotados para esse estudo. Para a inclusão dos professores foram adotados três critérios: I - Ser funcionário efetivo da instituição; II - Estar a mais de um ano na mesma instituição; III - Não estar em período de férias, laudo, atestado ou em licença de qualquer natureza. Para a etapa qualitativa, participaram das entrevistas professores das instituições de ensino públicas e privadas, em decorrência dos resultados encontrados na fase quantitativa e a disponibilidade dos mesmos.
A coleta de dados foi realizada a partir de um questionário de pesquisa estruturado com itens fechados, composto por duas partes: Parte I - Dados pessoais e ocupacionais; Parte II - Escala de Incivilidade no Trabalho. A primeira parte do questionário é composta por dezessete questões, que buscam identificar o perfil sociodemográfico dos respondentes, verificando: idade, gênero, estado civil, grau de escolaridade, curso, tempo de serviço na carreira, tempo de serviço na organização, natureza da instituição em que atua, séries para as quais leciona, carga horária semanal, tempo no cargo, turno de trabalho, possui cargo de chefia na organização, trabalhou em outras escolas anteriormente e se possui outro emprego ou atividade.
A segunda parte do questionário compreende a escala de Incivilidade no Trabalho, desenvolvida por Cortina et al. (2011) e validada no Brasil por Tonin (2018) constituída de doze afirmativas estruturadas em uma escala Likert de cinco pontos, variando entre “1 = Nunca” a “5 = Sempre”. As variáveis da escala de Incivilidade no Trabalho também foram avaliadas conforme o grau de importância, variando entre “1 = Sem Importância a 9 = Extrema Importância”.
Após a coleta, os dados foram organizados e tabulados em uma planilha eletrônica, no programa Office Excel, desenvolvendo assim, um banco de dados, para posteriormente, ser analisado com o auxílio do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS). A primeira etapa de análise consiste em uma análise descritiva a respeito dos dados pessoais e ocupacionais dos participantes com base nas frequências das respostas. A seguir foram feitas análises descritivas com o uso de médias e desvio-padrão, os quais os valores médios variam de 1 a 5, sendo dessa forma classificados: quanto mais próximo de 1, menor é o grau de incivilidade sofrida no ambiente de trabalho; e, quanto mais próximo de 5, maior é o grau de incivilidade sofrida no ambiente de trabalho.
A seguir evidenciam-se os resultados obtidos na realização desta pesquisa, em concordância ao objetivo proposto da seção introdutória deste estudo.
Análise e Discussão dos Resultados
Em relação à amostra pesquisada foram considerados 166 questionários válidos na etapa quantitativa, respondidos por professores da educação básica de instituições públicas e privadas do município de Santa Maria/RS, conforme os critérios de inclusão pré-definidos na seção anterior. A caracterização do perfil dos respondentes foi realizada por meio de análises de frequências a partir dos dados pessoais referentes a idade, gênero, estado civil e escolaridade descritos e algumas questões referentes ao perfil ocupacional dos respondentes, tais como, tempo de profissão, tempo de trabalha na instituição, natureza da instituição, localização da instituição, carga horária semanal, turno de trabalho e séries para quais leciona, apresentadas na Tabela 1.
De acordo com as distribuições de frequência e percentual das variáveis investigadas compreendidas na Tabela 1, revelam que a idade mais expressiva da amostra pesquisa foi de 31 a 40 anos (35,97%). Entre os respondentes há um predomínio de mulheres (82,10%), predominantemente casados (47,27%), com nível de escolaridade de pós-graduação (68,10%). Verifica-se que com relação ao perfil ocupacional, os respondentes possuem predominantemente entre 6 a 10 anos (27,27%) de profissão, seguido de 1 a 5 anos (21,21%) e 16 a 20 anos (15,76%). Sobre o tempo de atuação na instituição de ensino, a maioria possui vínculo de 1 a 5 anos (66,68%). Há preponderância de atuantes em instituições de ensino públicas (73,49%), localizadas nas regiões Camobi (28,92%), Norte (19,28%), Oeste (19,28%), Sul (14,46%), Leste (9,64%) e Nordeste (8,43%), com carga horária semanal de 20 horas (48,49%) e 40 horas (39,76%), trabalhando em turno integral (61,01%) e lecionando do 1º ao 4º ano (47,85%), 5º ao 9º ano (32,52%) e 1º ao 9º ano (19,63%).
Diante desses resultados, na amostra pesquisada é predominantemente composta por indivíduos do sexo feminino, com idade entre 31 e 40 anos, casados e pós-graduados. Atuam como professores de 6 a 10 anos e na mesma instituição de 1 a 5 anos, majoritariamente em instituições públicas na região de Camobi, trabalhando em turno integral, com carga horária semana de 20 horas e lecionando com turmas de 1º ao 4º ano.
Para fins de responder o objetivo da pesquisa de identificar os índices de incivilidade no trabalho na percepção dos professores da educação básica de instituições públicas e privadas do município de Santa Maria/RS, aplicaram-se estatísticas descritivas de Média e Desvio-padrão de cada variável, com ênfase para as que apresentaram maiores e menores pontuações. Na Tabela 2 expõem-se os resultados encontrados segmentados pela natureza das instituições.
De acordo com os dados contidos na Tabela 2, quando analisadas separadamente as médias dos comportamentos de incivilidade no trabalho se distinguem entre os professores das instituições públicas e privadas. No contexto das instituições públicas os itens que apresentaram as menores médias foram o item 10 – “Chamou você de incompetente” (x = 1,20), o item 12 – “Fez piadas às suas custas” (x= 1,34), e os itens 6 – “Deu uma nota inferior ao que você merecia em uma avaliação” e 8 – “Fez comentários insultuosos ou desrespeitosos sobre você”, ambos com médias 1,36. Os itens que exprimem as maiores médias foram o item 1 “Prestou pouca atenção a algo que você disse ou demonstrou pouco interesse em suas opiniões” com média 2,36, o 5 – “Interrompeu você ou falou ao mesmo tempo” com média 2,18 e o item 4 – Faltou com profissionalismo ao abordar você em público ou no privado” com média 1,80.
Nas instituições privadas as menores médias apresentam-se nos itens 10 – “Chamou você de incompetente” (x = 1,07), 7 – “Falou em voz alta, gritou ou insultou você” (x = 1,32) e 8 – “Fez comentários insultuosos ou desrespeitosos sobre você” (x =1,34). Em contrapartida, observa-se que os itens 1, 5 e 2 apresentam as maiores médias, sendo elas 2,36, 2,18 e 2,02, respectivamente. A Tabela 3 contém as médias e desvios-padrões da doze variáveis que compõem a escala de Incivilidade no Trabalho elaborada por Cortina et al. (2011) e validada no contexto brasileiro por Tonin (2018).
Em conformidade com os dados detalhados na Tabela 3, segundo os professores da educação básica de instituições públicas e privadas, os comportamentos de incivilidade com menores médias estão o item 10 – “Chamou você de incompetente” com média 1,16 e os itens 7 – “Falou em voz alta, gritou ou insultou você” e 8 – “Fez comentários insultuosos ou desrespeitosos sobre você”, ambos com média 1,36. Vale salientar que embora sejam os menos frequentes, eles ocorrem e segundo Cortina et l. (2011), esses comportamentos de maus tratos interpessoais que apresentam um menor grau, podem, com o decorrer do tempo, transformar-se em outras formas de violência no ambiente organizacional.
No que se refere aos comportamentos de incivilidade que apresentam maiores médias, estão os itens 1 – “Prestou pouca atenção a algo que você disse ou demonstrou pouco interesse em suas opiniões” (x=2,36), o item 5 – “Interrompeu você ou falou ao mesmo tempo” (x=2,09) e o item 2 – “Duvidou do seu julgamento sobre um assunto que era de sua responsabilidade” (x=1,84). Em conformidade com o estudo de Tonin (2018), desenvolvido com trabalhadores de uma organização de serviços terceirizados, as maiores médias foram observadas nos itens 1, 2 e 5. Assentindo com a autora, esses achados podem ser eventualmente atribuídos a características específicas das amostras, dos setores e principalmente das diferenças culturais, já que no contexto brasileiro são os dois únicos estudos que aplicaram a escala elaborada por Cortina et al. (2011).
Apesar de a presente pesquisa apresentar um índice geral de incivilidade no trabalho de 1,62, é necessário que estratégias sejam implementadas visando diminuir essas práticas no ambiente organizacional. Por conseguinte, é importante atentar-se aos comportamentos negativos no ambiente de trabalho, mesmo quando não aparentam importância, já que podem afetar os indivíduos tanto no nível psicológico quanto no âmbito profissional. Esses comportamentos agressivos e de baixa intensidade tem um efeito difusivo e se disseminam rapidamente e podem se institucionalizar a partir da displicência da gestão (FOULK, WOOLUM E EREZ, 2016; MENDONÇA, 2017).
Conforme exposto por Tonin (2018) a compreensão do processo de escalada da incivilidade, com atenção as relações sociais, são imprescindíveis para o desenvolvimento de práticas e políticas preventivas de micro violências. A prevenção é importante para evitar que se propagem outros tipos de violência decorrentes do aumento dos atos de incivilidade como o assédio moral e sexual (CORTINA, 2008; CORTINA et al., 2011) e também para reduzir custos das consequências geradas pelos atos incivis como alta rotatividade absenteísmo, baixo comprometimento, insatisfação dos funcionários, processos judiciais, diminuição da produtividade, entre outros (TONIN, 2018).
Ao contrário da maioria dos estudos publicados, nos resultados encontrados evidenciam-se que os comportamentos incivis, de modo geral, acontecem com pouca frequência na amostra pesquisada. Destaca-se que uma considerável parte dos estudos empíricos sobre incivilidade no trabalho provém dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, China e Coréia, com diferentes públicos, como: profissionais da saúde, funcionários de cortes federais, trabalhadores da indústria, alunos de universidades, servidores militares etc. (CORTINA, 2008; CORTINA et al., 2011; LIM; LEE, 2011; FERGUSON, 2012; LEITER; DAY, 2013; SCHILPZAND; PATER; EREZ, 2014; LEITER et al., 2015).
É possível dizer que a incivilidade no ambiente de laboral viola as normas instituídas pelo grupo de trabalho, caracterizando-se por comportamentos rudes, sem sensibilidade e consideração pelo outro. Ademais, pelos achados de Cortina (2008) e Cortina et al. (2011), compreende-se que a incivilidade também é seletiva, ocorre de forma implícita ou velada, perpassar pelas relações sociais de gênero e raça.
Apresentados os resultados pertinentes na próxima seção faz-se o fechamento deste estudo com as considerações finais
Considerações Finais
O presente estudo teve por objetivo identificar os índices de incivilidade no trabalho na percepção dos professores da educação básica de instituições públicas e privadas do município de Santa Maria/RS. Para o alcance desse propósito, a pesquisa viabilizou-se com o emprego de abordagem quantitativa. No processo de coleta de dados foram considerados válidos 166 questionários de pesquisa respondidos por professores da educação básica de instituições de ensino públicas e privadas, localizadas no município de Santa Maria/RS. O instrumento para coleta de dados dessa fase compreendeu a escala de Incivilidade no Trabalho, desenvolvida por Cortina et al. (2011) e validada no Brasil por Tonin (2018).
Com os resultados obtidos pode-se inferir que os professores participantes sofreram baixos índices de incivilidade no trabalho. De acordo com os dados da pesquisa, comportamentos de incivilidade que apresentam maiores médias, foram os itens 1 – “Prestou pouca atenção a algo que você disse ou demonstrou pouco interesse em suas opiniões” (x=2,36), 5 – “Interrompeu você ou falou ao mesmo tempo” (x= 2,09) e o 2 – “Duvidou do seu julgamento sobre um assunto que era de sua responsabilidade” (x=1,84). Ainda assim, é necessário que estratégias sejam desenvolvidas e implementadas visando evitar que esses atos se propaguem e que essas práticas no ambiente organizacional diminuam.
De posse dessas informações recomenda-se as instituições de ensino um cuidado com o ambiente de trabalho, desenvolvendo capacitações para que os professores saibam e sejam capazes de distinguir os que são comportamentos incivis e como lidar profissionalmente com tais comportamentos no ambiente de trabalho. Ademais, as instituições podem criar políticas internas que tenham tolerância zero para comportamentos de incivilidade, além de oferecer suporte aos professores que são vítimas de incivilidade no trabalho a fim de intervir e propiciar um ambiente de trabalho agradável, impedindo que esses atos se propaguem dentro da instituição e afete também a vida social dos professores.
Portanto, para estudos futuros sugere-se a investigação do tema incivilidade no trabalho em outros contextos educacionais, além de organizações de diferentes setores e porte e diferentes regiões geográficas do Brasil. Além disso, também sugere-se o desenvolvimento de estudos que investiguem a relação entre os índices de incivilidade e gênero, escolaridade, raça, etc, mapear as consequências da incivilidade diferenciando os instigadores e sobre o enfrentamento e prevenção da incivilidade no trabalho.
Sugere-se ainda desenvolver estudos para investigar comportamentos antecedentes da incivilidade, como por exemplo, estilos de liderança, bem como pesquisas associadas a outras temáticas como: Vínculos Organizacionais, Suporte Social, Suporte Organizacional, Comportamentos de Cidadania Organizacional, Estresse no Trabalho, Satisfação no Trabalho, Bem Estar no Trabalho, Burnout, Interferência Trabalho-Família, Desempenho Organizacional, entre outras.
As limitações dessa pesquisa encontram-se na recente validação de escalas para mensurar o construto no Brasil, da mesma forma que a literatura sobre tema é escassa, em especial contexto nacional, o que limitou a discussão teórica e a comparação dos resultados. Cabe relembrar que por se tratar de uma pesquisa que se restringe a uma categoria profissional específica e que as maiorias dos respondentes pertencem às instituições públicas de educação básica as respostas não podem ser generalizadas, pois contem traços específicos a essa situação.
Por fim, acredita-se que esse estudo atendeu ao seu objetivo inicial colaborando para uma melhor compreensão sobre a incivilidade no trabalho e levantando importantes contribuições para o meio científico da área de Administração, especialmente no que tange às temáticas do campo de comportamento organizacional.
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