¹Iracema Costa Jansson, ²Valéria Aparecida da Costa
Saúde é um direito humano fundamental, reconhecido por todos os foros mundiais e em todas as sociedades. Saúde e qualidade de vida são dois temas estreitamente relacionados (BUSS, 2003).
Qualidade de vida (QV) é uma noção eminentemente humana e abrange muitos significados que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades. A Organização Mundial da Saúde define QV como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". Nessa definição, incluem seis domínios principais: saúde física, estado psicológico, níveis de independência, relacionamento social, características ambientais e padrão espiritual (WHOQOL,1995).
O Ministério da Saúde define que a saúde do trabalhador constitui uma área da Saúde Pública que tem como objeto de estudo e intervenção as relações entre o trabalho e a saúde. Tem como objetivos, a promoção e a proteção da saúde do trabalhador, por meio do desenvolvimento de ações de vigilância dos riscos presentes nos ambientes e condições de trabalho, dos agravos à saúde do trabalhador e a organização e prestação da assistência aos trabalhadores, compreendendo procedimentos de diagnóstico, tratamento e reabilitação de forma integrada (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000).
No contexto global da Administração Pública a representação humana se faz através dos agentes públicos conceituados como: “pessoas físicas incumbidas, definitivamente ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal” (MEIRELLES, 2005).
A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo tem como missão “a aplicação da Lei de Execução Penal, de acordo com a sentença judicial, visando a ressocialização dos presos, proporcionando condições de reintegração e convivência em sociedade”. Para o cumprimento desta tarefa específica e peculiar, conta com 32.038 servidores, distribuídos em Agentes de Segurança Penitenciária (ASP), Agentes de Escolta e Vigilância Penitenciária (AEVP), Área Técnica de Saúde e Área Administrativa, distribuídos na Sede da Secretaria, Coordenadorias Regionais e Unidades Prisionais.
O estresse no trabalho onde as falhas são mais visíveis, como por exemplo, atividades laborativas ligadas as ações de segurança pública dobram os riscos de que o profissional passe a sofrer de depressão e/ou estresse e/ou somatoformes. É reconhecidamente estressante a atividade desenvolvida pelos servidores da SAP. Estressante e perigosa, perigosa e estressante, é difícil determinar o que é causa do que é efeito do convívio diário com a pressão da população carcerária que exige e muitas vezes ameaça.
O absenteísmo é um fenômeno complexo e de etiologia multifatorial incluindo fatores psicossociais, econômicos e referentes ao ambiente de trabalho (CARVALHO,2010). O afastamento do trabalho por licenças médicas resulta em prejuízos para o Estado e para o trabalhador, e com o conhecimento das causas de afastamentos há maior possibilidade de implementação de políticas de prevenção de doenças e recuperação dos servidores, melhorando assim os serviços públicos.
Gráfico 1 – Total de licenças médicas da SAP entre 2003 e 2008.
Fonte: DPME,2009
Os transtornos mentais são a primeira causa de absenteísmo entre os servidores públicos do Estado de São Paulo. Em 2006, de 188.451 licenças por doenças, 59.729 (31,7%) ocorreram pelos referidos agravos, sendo que a Secretaria da Administração Penitenciária, apresentou a maior taxa de licenças por transtornos mentais (19,9 licenças por 100 servidores) (GESTÃO PÚBLICA, 2008).
O cuidado com o sofrimento psíquico do servidor penitenciário está inserido no contexto de sustentabilidade social direcionada a dignidade humana, ao entender a
complexidade dos riscos psicossociais.
O Decreto nº 46.637 de 27 de março de 2002 (DOE,2002) atribui ao Núcleo de Saúde do Servidor (NSS) a competência de propor medidas para o desenvolvimento de programas voltados para a saúde do servidor, no tratamento ou prevenção do adoecimento físico e psiquico. O NSS pela sua especificidade tem procurado assistir aos servidores da SAP de forma ampla e constante, propondo medidas para o desenvolvimento de programas voltados à saúde do servidor que atua em Unidades Prisionais.
O Programa de Saúde Mental teve ínicio em Julho de 2006, atendendo inicialmente a 235 servidores, chegando a 1095 atendimentos realizados em dezembro de 2010.
Este Programa visa atender a preocupação com a qualidade de vida que obteve um crescente nas últimas décadas. A visão holística do homem como um ser biopsicossocial fortalece a percepção de que o desempenho dos trabalhadores está amplamente relacionado com a sua qualidade de vida, englobando os determinantes do ambiente interno (individual), como a saúde física, o estado psicológico, e ambiente externo (social e cultural), entre eles o nível de dependência, as relações sociais, as crenças pessoais e as relações com o ambiente (MORAES, 2006).
Resultados preliminares de pesquisa, iniciada em setembro de 2008, pelo Núcleo de Saúde do Servidor, em parceria com Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) São Paulo e Franco da Rocha, apontam como fator de afastamento médico inicial, motivo de readaptação funcional, os transtornos mentais e comportamentais. Dentre os 282 pesquisados, a maioria refere não sentir condições físicas e/ou emocionais para voltar as suas funções de origem.
Diante das questões expostas pelos servidores atendidos e dos resultados das ações de rastreamento, ficou claro que o atendimento a Saúde Mental, não poderia estar restrita somente a situação de estresse pós-traumático. A expansão da proposta fomentou o Programa de Qualidade de Vida no Trabalho, com ações que instituem a partir de 2009 o cuidado com a saúde do servidor penitenciário de forma integral, apoiado principalmente na proposta de crescimento individual, grupal e organizacional.
Gráfico 2 – Licenças médicas por especificidade dos servidores da SAP entre 2003 e 2008.
Fonte: DPME,2009
Os grupos de acolhimento atuam especificamente para a inclusão social do servidor por meio de reaproximação familiar, reinserção no local de trabalho, inserção de práticas socias, auto estima, prevenção e promoção da saúde.
O atendimento biopsicossocial descentralizado, realizado no NSS, atenua o deslocamento de servidores penitenciários para o Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE), além de contribuir para a continuidade do tratamento.
Atualmente os atendimentos do NSS, advém de demanda espontânea de servidores, solicitações de familiares, encaminhamento de gestores das unidades prisionais, de representantes dos núcleos regionais e das CIPAs.
A atenção prestada ao capital humano, apresenta reflexos positivos que aparecem na queda de licenças saúdes desde 2006 (Gráfico 2), resultando em economia aos cofres públicos e manutenção do quadro funcional da unidades prisionais, evitando a sobrecarga de trabalho para outros, sendo que imediata ou tardiamente poderiam vir a requerer atendimento de saúde por sintomas ocupacionais.
Tabela 1 - Ações Desenvolvidas no Programa de Qualidade de Vida no Trabalho da SAP
Fonte: Núcleo de Saúde do Servidor/SAP
Hoje o NSS, dispõe em sua sede de 01 psiquiatra, 01 médico do trabalho (registrado no programa Prevenir do IAMSPE), 01 enfermeiro, 02 psicológos, 02 assitentes sociais, 01 nutricionista e 02 auxiliares de enfermagem.
O Núcleo de Saúde do Servidor, no intuito de informar o maior número de servidores, utiliza-se de diversas parcerias para divulgação transparente e acessível de suas ações. O IAMSPE disponibiliza em seu sítio dados referentes à atuação do programa Prevenir. A própria SAP dispõe de uma página eletrônica onde são informadas ações de diversas áreas para conhecimento público, ferramenta também utilizada pelo NSS para publicação de suas atividades.
Pensando que a inclusão digital ainda não faz parte da vida dos servidores em sua totalidade, mensalmente são impressos Boletins Informativos (10.000 exemplares), instrumento de comunicação direta distribuído em toda extensão da SAP (Capital e Interior).
Um importante e eficiente meio de promoção e divulgação dos resultados utilizados pelo NSS é a presença constante em eventos promovidos pelas CIPAs e palestras informativas apresentadas por técnicos de saúde do Núcleo.
A perda de produtividade no trabalho ou em casa são custos indiretos difíceis de calcular. Se uma pessoa precocemente morre ou torna-se incapaz de trabalhar por uma doença ou trauma devido ao abuso de drogas e álcool, a contribuição econômica que ela poderia fazer à sociedade é reduzida ou eliminada.
A questão central da qualidade de vida é a de determinar quais condições que devem existir para melhores índices de produtividade preservando condições de vida saudáveis.
O servidor tem relevância na sobrevivência da organização, não só pela sua força de trabalho, mas também e principalmente por se um ser que pensa, sente e age.
Bibliografia
BUSS PM. Saúde, sociedade e qualidade de vida. Disponível em http://www.invivo.fiocruz.br
WHOQOL Group. The World Health Organization Quality of Life assessment (WHOQOL): position paper from the World Health Organization. Soc Sci Med 1995; 41(10):1403-9.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. “Política Nacional de Saúde do Trabalhador”, Brasília 2000.
MEIRELLES HL. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Saraiva: São Paulo, 30ª edição, 2005.
CARVALHO MVL. Perfil do absenteísmo no Superior Tribunal de. Justiça: análise do ano de 2009. [Dissertação].
BRASÍLIA. Faculdade de Ciências da Saúde, 2010.
SECRETARIA DA GESTÃO PÚBLICA. Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual: Projeto Educa Saúde, 2008.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto nº 46.637 de 27 de março de 2002. Altera a denominação e a subordinação do Núcleo de Acompanhamento e Integração Psicossociológica, da Secretaria da Administração Penitenciária, e dá providências correlatas.
MORAES GTB. Qualidade de vida no trabalho: um estudo sobre prazer e sofrimento em uma multinacional na cidade de Ponta Grossa-PR. [Tese de mestrado]. Paraná. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. 2006.
¹Assistente Social, Diretora do Núcleo de Saúde do Servidor, Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo.
²Nutricionista, Assistente Técnica da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo.