Alexandre da Cruz Pinto1, Silvia Maria Tagé Thomaz, Andrea Almeida Torres, Priscila Fernanda Gonçalves Cardoso, Luciana Melo
1 Justificativa
A atuação profissional na área da Segurança Pública compreende a manutenção do bem estar físico e mental diante do risco desta que se apresenta como uma atividade nociva à saúde, caracterizada pelas condições de trabalho e cobrança da sociedade em razão da necessidade de maior segurança, visando a diminuição da criminalidade contra os cidadãos e bens públicos e privados.
A contradição da opinião pública sobre a atuação dos agentes de Segurança Pública é um fator desencadeador de estresse, tendo em vista serem comuns as críticas e cobranças, provocações, ameaças, xingamentos, lesões físicas e psicológicas causadas pela incompreensão de parte da população em relação ao exercício da função dos Guardas Civis Municipais.
Os profissionais vivenciam em seu cotidiano o enfrentamento entre o conjunto de exigências para a realização das tarefas e a disponibilidade dos recursos materiais e tecnológicos, concedidos ou negados, conforme políticas institucionais. No confronto entre o que lhes é exigido e os meios de que dispõem para realizá-lo, esses trabalhadores mobilizam seus próprios recursos emocionais, cognitivos e físicos.
A complexidade da demanda de trabalho se traduz em consequências de natureza psicológica: como o medo (fugir ou enfrentar o risco), a raiva (descontrole emocional) e a sensação de injustiça; de natureza fisiológica: grande quantidade de toxinas na corrente sanguínea que causam reações automáticas, impulsivas e sem reflexões; e de natureza legal: envolvimentos constantes com o Poder Judiciário e abuso de poder.
Historicamente, a Guarda Civil Municipal apresenta uma das maiores incidências de afastamentos médicos da Prefeitura de Santos e muito se deve ao contexto paramilitar hierárquico propagado desde o início da sua atuação, conforme muito bem dimensionado pela Assistente Social Dra. Lígia Maria Castelo Branco Fonseca, em 2004, em seu Doutorado com o título “Condições de Trabalho e Adoecimento na Guarda Municipal da Cidade de Santos: 1992 – 2003”. O trabalho acadêmico revela todo o desgaste físico e emocional dos integrantes da GCM, além de casos diversos de humilhações por meio de abuso de autoridade, perseguições e todas as formas de assédios em virtude das ordens de comando.
Os problemas pessoais e familiares dos seus integrantes são em grande parte ignorados, não se levando em consideração o viés psicológico das situações apresentadas pelos GCMs. Dentre os problemas desconsiderados estão: uso de álcool e outras drogas por integrantes ou seus familiares, problemas de saúde mental de toda ordem (estresse, depressão, síndrome do pânico entre outros transtornos), separações conjugais e guarda de filhos, falecimento de GCMs ou familiares próximos, questões de dificuldade financeira e de moradia, entre outros problemas.
Como se já não bastassem motivos para a criação de um setor específico de atendimento psicossocial, no dia 08 de agosto de 2014, após aprovação no Congresso Nacional, foi sancionada pela Presidente da República Dilma Roussef, a Lei n. 13.022, que institui as normas gerais para as Guardas Municipais de todo o país como forma de definir a padronização das competências e atribuições desses agentes da Segurança Pública, além de deliberar sobre o uso de armas de fogo.
2 Objetivo
Atuar na prevenção e promoção em saúde dos profissionais da área de Segurança Pública a fim de evitar sofrimentos e comportamentos que coloquem em risco os agentes públicos, seus familiares e população em geral, além de salvaguardar o nome da Instituição.
Realizar atendimentos e visitas aos profissionais e familiares, sempre que se avaliar necessário, a fim de promover a mediação e os encaminhamentos pertinentes preservando a saúde mental do profissional para que seja capaz de exercer suas atividades e que se sinta pertencente e importante para a Instituição mediante esse suporte da COAPS, encurtando a distância entre o profissional e a gestão.
Promover acolhimento e escuta qualificada no âmbito profissional, pessoal, familiar ou social a fim de interceder para que problemas de menor proporção não sejam agravados, provocando estresse ou a necessidade de afastamento profissional.
Formular estratégias interdisciplinares com a rede de serviços da Prefeitura de Santos, bem como outras possibilidades de articulações voltadas ao bem estar físico e psicossocial dos profissionais.
Planejar, acompanhar e avaliar as ações de acordo com a demanda apresentada e necessidades de acordo com as estatísticas coletadas pela demanda atendida.
3 Metodologia
A pesquisa documental e bibliográfica será o ponto de partida para identificar as categorias teóricas sobre o tema investigado, tendo em vista já ser de conhecimento que a Secretaria de Segurança de Santos está em destaque em relação a outras secretarias, quando o assunto é o afastamento das atividades laborais de seus profissionais.
O suporte teórico por meio de pesquisa exploratória da literatura permitirá uma maior familiarização com as reais demandas que acompanham o histórico da Corporação, possibilitando uma comparação com o atual momento, além de nortear o melhor caminho para a continuidade do trabalho.
Posteriormente, a pesquisa qualitativa surge como estratégia a fim de compreender os fenômenos caracterizados pelo comportamento e subjetividades dos agentes de segurança pública por meio de entrevistas estruturadas baseadas em questionários com questões abertas.
Com os devidos levantamentos bibliográficos e documentais inicia-se o trabalho baseado em estratégias que podem variar de acordo com a demanda, como segue:
Atendimento psicossocial das demandas diversas em sala específica que garanta a escuta qualificada e o sigilo dos casos, além de contatos telefônicos necessários para a resolução dos problemas apresentados, com o devido registro em prontuário eletrônico próprio. Em casos onde a necessidade seja evidente, a visita domiciliar será realizada.
Interface com todos os setores da Guarda Civil Municipal a fim de que as queixas cheguem à COAPS de forma voluntária pelo próprio profissional, por encaminhamento dos setores onde os profissionais estejam lotados e ainda por meio de contato da chefia imediata quando perceber ou souber de qualquer problema sobre o profissional e que necessite de atendimento específico, seja por problemas de saúde, afastamentos, luto, entre outros.
Acolhimento de GCMs com afastamento médico ou de seus familiares visando suprir alguma falta ou orientação necessária para o sucesso do tratamento e sua completa reabilitação; compartilhando e priorizando estratégias visando o bem estar do profissional como forma de prevenir fatores estressantes capazes de gerar afastamento ao trabalho.
Realização de coleta de dados visando a elaboração de estatísticas e relatórios mensais a fim de identificar e solucionar problemas existentes de acordo com a necessidade, além de pautar ações e revisões sobre situações concretas do cotidiano da nossa prática profissional.
Promover palestras e cursos de educação permanente baseados em saúde mental, idoso, criança e adolescente, morador de rua, álcool e outras drogas, estresse no trabalho, mediação de conflitos e familiar, qualidade de vida, saúde ocupacional, atendimentos e abordagens às pessoas em todas as formas de vulnerabilidade social, com vistas ao trabalho com a comunidade de forma harmônica baseado no princípio da Polícia Comunitária.
Acompanhamento e orientação em situações de licenças maternidade e paternidade, com a possibilidade de criação de um programa para a celebração deste momento tão importante para as famílias.
Interação com a rede de serviços que envolvem todas as áreas da Prefeitura (DEGEPAT, CAPEP Saúde, SEAS, SEMES, SAMU, Pronto-Socorros, CAPS, SENAT, Programa COMVALOR, entre outros serviços), sindicatos, entre outras instituições públicas e privadas a fim de solucionar problemas que interfiram no equilíbrio emocional dos profissionais e, consequentemente, na eficiência do serviço.
Práticas humanizadas na relação “chefe x subordinado”, capazes de proporcionar maior proximidade com a gestão da GCM, tal ação deverá expandir ações humanizadas com a população em geral.
Buscar a conciliação, sempre que possível, entre as necessidades individuais com as necessidades institucionais a fim de tornar o ambiente de trabalho mais atraente e prazeroso evitando afastamentos em razão de doenças psicossomáticas.
4 Considerações Finais
As condições de trabalho precárias, somadas aos problemas pessoais, de cunho afetivo, familiar ou social, contribuem para que o estresse prejudique a prática profissional, tanto no relacionamento interpessoal quanto no atendimento da população em geral.
O trabalho da COAPS visa promover um suporte adequado no sentido se suprir as “perdas afetivas” e os demais problemas pessoais ou profissionais com o intuito de diminuir o sofrimento e garantir as condições necessárias para o trabalho.
O trabalho pautado na educação permanente em saúde poderá proporcionar melhor qualificação e valorização profissional, que será fator preponderante para a melhoria do relacionamento interpessoal e, consequentemente, na excelência do atendimento ao cidadão.
As ações da prática profissional devem estar voltadas à aproximação com a comunidade, que muitas vezes não compreende o verdadeiro papel dos agentes de segurança pública. Essa aproximação com a sociedade é de fundamental importância para o exercício da prática profissional do agente de Segurança Pública.
O tema ‘trabalho e saúde’ entre profissionais da área de segurança pública vem ocupando lugar de destaque tanto no âmbito das Corporações quanto das universidades, movidos pelas peculiaridades da função, que possui uma série de características evidentemente perigosas do ponto de vista da saúde física e psíquica, tal como o contexto diário de risco, antes condenados ao silêncio.
Com a criação da COAPS, torna evidente a preocupação do Poder Público com a prevenção e promoção em saúde dos integrantes da Guarda Civil Municipal, visando a manutenção do controle laboral e o acompanhamento das demandas com o intuito de evitar que situações estressantes cheguem ao extremo, garantindo melhores condições de trabalho e, consequentemente, colaborando para a diminuição do absenteísmo e melhorando a eficiência do serviço.
Este Anteprojeto está em fase de discussão para a sua implantação com a participação de profissionais da Guarda Civil Municipal, formados em Serviço Social e Psicologia, setor de atendimento psicossocial da Prefeitura de Santos, Sindicato dos Servidores Estatutários Municipais de Santos, além da interface com a UNIFESP Baixada Santista por meio do “Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Sistema Punitivo, Justiça Criminal e Direitos Humanos – GEPEX DH” e do “Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Ética e Trabalho Profissional – NEPETP”.
Referências
DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª. Edição. São Paulo. Cortez - Oboré, 1992.
FONSECA, Lígia Maria Castelo Branco. Condições de Trabalho e Adoecimento na Guarda Municipal da Cidade de Santos: 1992-2003. 2004. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2004
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional – A Teoria Revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro. Editora Objetiva, 1995.
MARTINELLI, Maria Lúcia. O Uso de Abordagens Qualitativas na Pesquisa em Serviço Social. In: MARTINELLI, M.L. (Org.). Pesquisa Qualitativa: um instigante desafio. São Paulo. Editora Veras, 1999.
MINAYO, Maria Cecília de Souza, Edinilza Ramos de Souza (Org). Missão Investigar – Entre o Ideal e a Realidade de Ser Policial. Rio de Janeiro, Garamond Universitária, 2003.
1Guarda Municipal formado em Serviço Social. Instituições: Prefeitura Municipal de Santos, Universidade Federal do Estado de São Paulo – UNIFESP BS, Sindicato dos Servidores Estatutários Municipais de Santos – SINDEST.